(SPOILER – aviso que não vou contar o final da história;
prossiga por sua conta e risco.)
Em junho de 1996 comemorei meu 40º aniversário trilhando
o Caminho de Santiago na Espanha (850 km a pé da França a Finisterrae).
Ao fazer 50 anos, subi as Agulhas Negras e as
Prateleiras (Itatiaia, RJ).
60 anos se aproximando, optei por cumprir um antigo sonho de RGG, que infelizmente partiu 15 dias antes de tal realização para um Exile on Antofagasta
Beach (I miss you, Friend!): Pico da Bandeira, o terceiro pico mais alto do
Brasil. Fica no Parque Nacional do Caparaó, divisa MG / ES. O início da subida se dá em
Tronqueira, a 1.970m; o campo-base fica no Terreirão a 2.370m (desnível 400m); e o Pico está a 2.892 metros (desnível do ataque: mais 522m).
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Início da trilha |
Vai aqui uma confissão pessoal: durante as
semanas de preparação da expedição, nunca achei que iria conseguir. Condições
físicas se deteriorando rápida, forte e muito dolorosamente nos meses anteriores; preparo físico e exercícios
Zero; meus únicos ativos sendo a Determinação e a grande experiência com este
tipo de Aventura, reforçados por dispor de antemão dos equipamentos ideais.
Eu nunca pensei que iria conseguir... mas aqui vem o
ponto: isto não era motivo para não tentar! Vai lá, mete as caras, se não der
não deu, at least you tried, valeu a Aventura, e... vai que dá certo? Às vezes
é possível, sim!
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Terreirão (campo-base) |
Quando alguém – normalmente donos de pousadas,
palpiteiros de restaurantes, lojistas ou devaneadores – te disser “a subida do
Pico da Bandeira leva 3 ou 3½ horas”, PODE XINGAR o indivíduo! Faça-o por mim, POR
FAVOR! Todo mundo diz isto, mas na verdade a subida é PAVOROSA, muita
pirambeira forte, muita pedra solta, muita pirambeira forte, muita pedra solta,
muita pirambeira forte e muita pedra solta!
A respeito dos 800 metros finais, replico o comentário
de uma Estudante (tinha um grupo de 150) na descida:
- “Aquilo não é de Deus...”
Algumas sugestões pessoais caso você planeje fazê-lo:
- Não
cumprir tudo em 1 só dia. Subir na tarde anterior até o Terreirão (leva umas 3
horas, e é puxado) e acampar lá. O desnível total (líquido) de 900 metros
equivale a subir e descer o Empire State Building três vezes em um só dia... além das subidas e descidas ao longo da trilha!
- Vá
com um Guia. Ele conhece as manhas, aponta as coisas, dá as dicas, carrega
muito peso, e não atrapalha; só ajuda.
- Na
madrugada ou manhã seguinte (sua escolha), suba até o Pico: cerca de 4 horas, e
é MUITO puxado. É a melhor forma de assegurar – ou ao menos aumentar a
probabilidade – de tempo firme e visibilidade. Com o passar do dia, as nuvens
vêm e vão, a névoa vem e vai, a visibilidade vem e vai. Às vezes, só vai. De
manhã cedo é (um pouco) mais garantido.
- Comece
a descida 5 horas antes do Pôr-do-Sol. SAIBA a hora do Pôr-do-Sol.
- A
noite lá em cima é linda. As de Lua Cheia – como a que pegamos – são belíssimas, iluminação inacreditável. Mas são também – evidentemente – as mais
concorridas; portanto,
- Vá
em um dia de semana. Dizem que o período ideal é junho – julho; depois disto, começam
as chuvas.
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O pico a "apenas" 2km
(e desnível líquido de 300m) |
Subi com instruções otimistas e erradas (otimismo é um
erro, sorry pela redundância), e assim levei alimentação errada. Para fazer em apenas
1 (exaustivo) dia, você precisa muito mais de líquidos e muito menos de sólidos
– o que não era o caso de meu farnel.
Leve LANTERNA, pois caso o trajeto demore mais tempo do
que o estimado (o que é praticamente certo, sempre), nada é mais deprimente do
que descer trilha na mata com iluminação da lanterna do celular. Levar lanterna
para a Montanha é OBRIGATÓRIO. Sempre, mesmo que você só vá passar 1 hora. Como
diria aquele Economista:
- “É A LANTERNA, ESTÚPIDO!”
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La Luna llena |
A descida é igualmente terrível, e aqui vai uma DICA
PRECIOSA: antes de começar a descer, FIXE BEM suas botas de trekking. Amarre-a
bem, firme seus pés. O motivo é simples: o peso de seu corpo reforçado pela acentuação
da aceleração da gravidade na descida está todo jogado no atrito de seus pés
contra o calçado. Se não estiver firme, o pé escorrega por dentro da bota e se
apóia TODO nos dedinhos do pé. Todo o seu peso é concentrado nos desacostumados
dedinhos, a cada passada, e com toda a força de seu peso. É bolha na certa!
Recomendação CRUCIAL: não consumir toda a energia na
subida, lembrar que as descidas demandam muito; forçam os joelhos,
principalmente se o piso não for bom - o que é o caso.
Recomendação pessoal: levar cajado. Tem gente que
prefere sticks, tudo bem; sou da turma do cajado. Graças a isto, quando cruzei
com uma Sem-Noção na descida, ela quis tirar uma foto minha: “Um idoso com
cajado subindo o Pico! Qual é a sua idade?” Respondi “oitenta”, e para meu
desespero ela e seu grupo ACREDITARAM!!! Morto de humilhação tive que
corrigir dizendo que quando saí lá de baixo eu tinha 59, mas que agora me
sentia com 80.
Se consegui ou não fazer o Pico? Só conto pessoalmente...
(Meu agradecimento especial a Ane por ser completamente Companheira nesta e em tantas – tantas! – outras Jornadas.)
(Sobre o equipamento: mochila Deuter Futura 32 litros
AC (Caminho do Sol); bota SALOMON Revo 3D Fit Seamless (Everest); cajado com altura de 1,80m comprado em Alto Caparaó; relógio CASIO PROTEK triple-sensor com
altímetro (fundamental), barômetro e bússola. Eu tinha casacos, corta-vento e
fleece de Everest, Antártica e Pólo Norte, exagerados para uma expedição
diurnal mas que teriam sido excelentes para dormir no Terreirão.)
(Em 21 de maio de 2016, Alto Caparaó, a 910 km de SPCity (via
Miguel Pereira e Cataguases) em um Marea Weekend.)