terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A hipocrisia da punição aos árbitros

Tornou-se moda punir árbitros de futebol por “erros” cometidos durante partidas importantes. Esta medida nada mais é do que pura demagogia hipócrita, e não resiste a uma análise rasteira. Se não, vejamos.

Ao não assinalar um lance irregular, ou o árbitro viu a jogada faltosa, ou não viu. Se ele viu e não marcou, não é caso de suspendê-lo, mas sim de expulsá-lo do Futebol, e até mesmo de surrá-lo. Não creio que exista mais lugar neste Planeta para gente indecente.

Caso no entanto o árbitro não tenha visto a irregularidade, a punição não faz o menor sentido. Na próxima vez que não vir um lance, ele novamente não irá marcar, é óbvio! E a “punição” de nada adiantou. - “Ah, não viu mas deveria ter visto!”. Com este argumento deveremos também punir o atacante que perde um gol feito (“Não marcou mas deveria ter marcado!”), o goleiro que engole um frango (“Não agarrou mas deveria ter agarrado!”). o passe mal feito (“Errou mas deveria ter acertado!”) e até o cachorro-quente sem mostarda (“Não colocou mas deveria ter colocado!”).

O que a FIFA faz é tentar repassar uma responsabilidade que é exclusivamente dela própria. Ao punir um árbitro, dá uma pretensa “satisfação” à opinião pública e ao Clube que está reclamando, e fica tudo por isto mesmo. Pune o mais fraco, e não o verdadeiro responsável; coloca hot fudge na merda mole. Pois é mais do que evidente que as imagens transmitidas devem ser decisivas e definitivas no julgamento de um fato ou lance. Só acha que “a graça do Futebol está no erro do Juiz” quem não gosta de Futebol. Para qualquer pessoa honesta, a graça – do Futebol ou do que quer que seja – está na vitória de quem fez por merecer dentro das regras; julgamento sem imagem favorece o malandro, favorece o espertalhão, favorece o errado.

O problema está muito mais embaixo. Com o julgamento pelas imagens acabará a possibilidade de manipulação de campeonatos. Acabará a possibilidade de favorecer o time mais rico, o mais influente ou o mais popular. Com a honestidade, tais interesses deixam de ter favorecimento acobertável. O auxílio da tele-visão à arbitragem traria lisura ao Futebol.

Daí ser preferível – por mais fácil e lucrativo – simplesmente punir os Juizes.

(jan/2010)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Voar não é só com os Pássaros

(texto sobre vôo de paraglider escrito para a revista CITI NEWS em julho / 1999)

- “Mas não dá medo?”

Esta é sempre a primeira pergunta que se ouve quando alguém vem a saber que você é um Voador. Parapente e Asa Delta são subdivisões do vôo livre, esporte classificado como o mais perigoso do mundo devido ao número de acidentes. Mas – como em todas as atividades – o risco que cada um corre está diretamente ligado a atitude pessoal.

É claro que eu tenho medo. Sempre tenho, nas rampas, antes da decolagem. Mas é um medo útil, que me torna prudente e cauteloso.

- “Deve ser bonito lá em cima…”

Costuma ser o segundo comentário. É maravilhoso. Tão logo damos os primeiros passos na rampa e a vela se infla atrás e acima de nós, somos invadidos pelo prazer incomparável de ver o mundo de cima, de flutuar sobre árvores, casas, montanhas, rios, praias, mares, pessoas. Somos companheiros dos pássaros e vemos seus ninhos nos picos dos morros, os alpinistas e as trilhas nas encostas das montanhas, as nuvens, casas e lagos ao longe. Se isto não é bonito, não sei o que possa ser.

- “De onde você pula?”

Jamais faça esta pergunta a um paraglider. Um parapente não se joga, mas decola. Somos puxados para cima. A asa delta sim, se arremessa no vazio após uma corrida. Quem pergunta “De onde você pula?” a um paraglider costuma ouvir que “Quem pula é sapo”!

No Rio de Janeiro o principal “point” é a Pedra Bonita, na Praia de São Conrado. Voadores de São Paulo têm como alternativa mais próxima a rampa de Atibaia, a 50 km de distância. O “Guia 4 Ventos” indica as muitas rampas em todos os estados do Brasil, com fotos, mapas, vantagens e perigos, dicas e histórias curiosas.

- “Como se aprende?”

Com um professor autorizado pela Associação de Vôo Livre do seu estado. Após a aclimatação ao equipamento no solo, com o aluno correndo para lá e para cá com o parapente inflado ou carregando a asa, começa o sobe-e-desce em morrinhos: 2 metros, 3 metros, 5 metros, 10 metros. Você carrega o equipamento morro acima e desce correndo morro abaixo. Um exercício que vai se tornando mais puxado quanto mais alto você for chegando. Até que – de repente – o momento mágico: em uma destas descidinhas seus pés descolam do chão! Seu primeiro vôo, por poucos metros!

Após muitos primeiros vôos por poucos metros você vai aprendendo a manejar o equipamento, a dar-lhe direção. Não se acanhe se nestas primeiras experiências você cair em um riachinho próximo ou se for na direção das árvores (a famosa “arborizada”): não será a primeira e nem a última vez que isto acontece…

Cada vez mais alto, em poucas aulas você já está subindo 30 metros de pirambeira e decolando de lá de cima. Vôozinhos de 10 segundos. Quando o instrutor considerar que chegou a hora, passamos para o primeiro grande teste: a decolagem de um morrote de 100 metros de altura. Aí sim é o grande momento: se der certo de 100 m, vai dar certo de 1.000 m; por outro lado, cair de 100 m ou de 1.000 m não faz muita diferença…

Nervoso pela enésima vez – sensação que creio jamais virei a perder – você voa uma, duas, cinco vezes decolando de cima do morrote. E logo quer mais, quer 500 metros! Afinal chega o grande dia. Com 5 vôos de um morro de 500 m (acompanhados pelo rádio por seu instrutor) você estará apto a voar por conta própria. Terá que decidir por si mesmo se as condições atmosféricas (vento, nuvens) estão boas; se o tráfego aéreo está razoável; terá que traçar um plano pessoal de vôo da decolagem até o pouso. Decidirá o que fazer para ganhar altura e sobrevoar picos mais altos do que o ponto de onde decolou. Aprenderá a “enroscar” em térmicas e a fazer “lifts” na encosta de morros. Será um Piloto!

- “Quanto custa?”

O curso fica em torno de US$ 400. O equipamento é função de sua disponibilidade: mais do que nunca, o Céu é seu limite! Em média, um equipamento básico completo pode variar de US$ 1.000 a US$ 5.000. Uma vela zero-quilômetro último-tipo custará em torno de US$ 2.500; e mais o restante do equipamento básico:

· selete (cadeirinha na qual o paraglider vai sentado);
· rádio transmissor;
· variômetro (um altímetro que informa sua taxa de subida ou descida);
· macacão (é frio lá em cima!);
· luvas (pelo mesmo motivo, além de proteger os dedos no puxa-puxa das cordas de comando);
· botas para proteger o calcanhar (seus pés são o amortecedor no pouso);
· paraquedas reserva (equipamento de segurança obrigatório).

Pilotos mais experientes terão equipamentos mais sofisticados – inclusive um GPS para saber aonde estão (vôos cross-country chegam a cobrir 200 ou 300 quilômetros).

Uma máquina fotográfica atrapalha os comandos, é melhor deixar que familiares orgulhosos ou amigos babando te fotografem na decolagem, durante o vôo ou no pouso.

- “Posso fazer um vôo duplo?”

Pode, e deve. É uma experiência única e deliciosa, assunto para contar para parentes e amigos; e quem sabe, o início de sua carreira de voador(a). Custa em torno de US$ 50, incluindo o preço das fotos.

Conclusão

O vôo livre é uma atividade de grandes riscos, mas de grandes recompensas. Para quem é cuidadoso e não exibicionista, o prazer será muito maior do que os sustos. Se costuma utilizar o termo “surfar” para a Internet; o correto seria “enroscar”, um termo de vôo. Na Internet você começa de um ponto conhecido e traça seu próprio rumo, dirigindo-se para onde achar mais atraente ou interessante; você escolhe para onde vai. No vôo livre é a mesma coisa – só que ao vivo.

Nos vemos no céu. Bom vôo!

(jul/1999)

sábado, 16 de janeiro de 2010

Caminhando até o Fim da Terra

(texto publicado na revista CITI NEWS ano 21 número 191 em março de 1999, no jornal INFORME AaA PUC-RIO ano VI número 30 em abril de 1999 e na REVISTA CREDICARD edição 16 no 2o. trimestre de 2004)

Em junho e julho de 1996 caminhei da França até o Cabo de Finisterre, na Espanha, pelo Caminho de Santiago de Compostela. Dormia em refúgios, igrejas, monastérios e eventualmente em pousadas. Tive bolhas, tendinitis, quebrei uma costela e sofri muito. Mas aprendi que grandes penitências trazem grandes recompensas, e muitos são os momentos de enlevo profundamente marcantes na vida de quem cumpre esta jornada.

ORIGENS E MITOLOGIA
Embora a versão corrente do nome Compostela seja bastante romântica (viria de "Campus Stellae", campo de estrelas, avistadas sobre a cova do Apóstolo) a verdade é que a origem do nome é "Compositum Tellae", ou seja, Cemitério: o corpo de São Tiago (Jakob, Iago, Jacques, James) teria sido encontrado em um cemitério, e sobre ele se ergue hoje a majestosa Catedral.

Dado seu aspecto religioso, a rota de peregrinação teve um enorme crescimento de popularidade como foco da resistência cristã à invasão moura no sul da Espanha, nos primeiros séculos deste milênio.

Segundo a mitologia antiga do Caminho, uma peregrinação destas absolve 1/3 dos pecados (equivalente a entre 20 e 200 dias de Purgatório); mas se for feita em um ano santo Compostelano (quando o dia de Santiago, 25 de Julho, cai em um domingo), então a absolvição é total! Cheque o calendário de 1999...

QUANDO IR E QUANTO TEMPO LEVA
A época ideal para peregrinar é do final de maio a setembro, primavera e verão no hemistério norte. Quanto à duração, como para quase todas as perguntas do Caminho, existem várias respostas; cada qual faz o seu tempo. Alguns preferem quase correr, acordando cedíssimo, saindo ainda no escuro e no frio, andando rápido e sem parar até o próximo refúgio; para eles, boa viagem ("Ultréia", como se diz no Caminho). Eu preferia acordar com calma, usar o refúgio quase vazio como uma pousada particular e começar "os trabalhos" lá pelas 7:30 da manhã.

De maneira geral, a disponibilidade de tempo determina a distância a ser percorrida, o meio de transporte e a velocidade. Quem faz a pé costuma cobrir 760 km’ em 30 dias; de bicicleta, a mesma distância é cumprida em 8-10 dias. Quase não existem mais peregrinos a cavalo. É necessário andar ao menos os últimos 100 km – ou pedalar os últimos 200 km - para se receber a Compostelana.

CREDENCIAL E COMPOSTELANA
Peregrinos e Peregrinas recebem uma credencial com espaço para carimbos registrando as igrejas, refúgios, monastérios e prefeituras de onde passou. É uma belíssima lembrança do dia-a-dia da viagem, e com ela preenchida se recebe um documento da Igreja ao chegar em Santiago: a Compostelana, em latim (inclusive seu nome!) comprovatório de que sim, você fez, você cumpriu toda a peregrinação. (Afinal, como os antigos campônios poderiam provar que o fizeram?)

Pode-se obter a credencial nas principais cidades do Caminho ou nas Associações de suporte a peregrinos. Temos no Rio a "Amigos da Rota Jacobea", e em São Paulo a "Associação de Amigos do Caminho de Santiago".

MATERIAL
O que levar: o mínimo indispensável. 5 peças são básicas: mochila, botas, cantil, cajado e chapéu. Felizmente temos moderníssima tecnologia para os dois primeiros (a bota é a escolha mais importante da viagem); e cantil e chapéu são muitos fáceis. O cajado é crucial: sua Trindade, seu terceiro ponto de apoio, formando um plano com os 2 pés; tua alavanca nas subidas e freio nas descidas; defesa contra os cachorros (sim, são muitos no Caminho); suporte para a mochila quando seus ombros estão doendo; bengalão quando se está exausto; e brinquedo quando se está feliz.

Roupas: uma calça leve e resistente (nada de jeans!), três camisetas, um casaco, uma bermuda, sandálias para a noite (os pés precisam respirar). Muito protetor solar e hidratante. Um saco de dormir é essencial, pois os refúgios oferecem beliches sem roupa de cama e você dorme dentro do saco: muito prático.

O símbolo do peregrino é a concha, que simboliza as mãos juntas, vazias e abertas para o que se queira oferecer a ele: água, abrigo, alimentação, ensinamentos. O uso da concha ao pescoço ou na mochila diferencia o peregrino dos caminhantes e turistas mochileiros.

AONDE COMEÇA O CAMINHO?
Diz-se que o Caminho começa no momento em que você decide fazê-lo; ou ainda que o Caminho está dentro de cada um, e que se pode até percorrê-lo sem sair de casa. Quem sabe? O seu pode estar começando agora...

De qualquer maneira, o Norte da Espanha é "onde todos os caminhos se encontram", e é a trilha tradicional. Os peregrinos brasileiros costumam começar em Saint Jean Pied de Port, na França, no pé dos Pirineus. O Caminho segue pelas províncias de La Rioja, Castilla, El Bierzo, Galícia... todas regiões de vinhos de altíssima qualidade.

O trajeto é feito no sentido Oeste, o que significa que o peregrino segue sua sombra por todo o tempo. À noite, a sinalização da peregrinação é ainda mais simbólica: estamos exatamente abaixo da Via Láctea, e ela mostra a direção a seguir.

O caminho passa por algumas cidades maiores (Logroño, Pamplona, Burgos, León), mas elas são inóspitas para o Peregrino, que prefere os campos e os vilarejos. Nestas cidades "grandes" (100.000 habitantes) eu me hospedava em pousadas, virava turista e tirava os "day-off"s tão necessários para reposição das exauridas energias físicas. Era aí que eu me separava de grupos de conhecidos que na última semana estavam sempre por perto nos refúgios e restaurantes, e conhecia novos grupos que vinham atrás. Ao mesmo tempo uma sensação de desamparo e de renovação; lições de desapego.

PORQUÊ VOCÊ FEZ O CAMINHO?
Esta é a pergunta que mais se ouve antes, durante e depois do Caminho; e também aquela cuja resposta mais muda a cada dia ou situação. O próprio Peregrino se pergunta todo o tempo “o que eu estou fazendo aqui?”. Turismo, aventura, misticismo, religiosidade, filosofia, introspecção: a resposta varia ao longo da jornada.

Com o passar dos dias um significado mais filosófico e espiritual vai envolvendo o Peregrino. A vida é objetiva: caminhamos (uma média de 20 a 25 quilômetros por dia, em uma banda de 10 a 40), procuramos água, procuramos onde comer, onde dormir. Não se sabe se no refúgio vai ter banho quente ou papel higiênico, como se vai dormir, ao lado de quem. Mas é aí mesmo que o desapego se impõe; as necessidades são básicas, elementares, não há preocupação com besteiras, mas sim com o peso da mochila nas costas. E nos desfazemos de supérfluos: comecei a peregrinação carregando 12kg e acabei com 9kg.

Com o espírito livre, caminhando sozinho por florestas, matas, rios, estradas, trilhas, igrejas, vilas, montanhas, planaltos e desertos. conversando com desconhecidos, com uma dieta muitas vezes composta apenas por vinho e hóstia, o sentimento fica solto, e a percepção aguçada... Mas isto é para sentir, e não para ser contado.

REFEIÇÕES E HOSPEDAGEM
Os restaurantes apresentam um "Menu do Peregrino" (aprox. US$ 10) com prato de entrada, prato principal, vinho, pão e sobremesa; e com mais US$ 1 você toma um fortíssimo e inebriante café expresso, de lei em toda a Espanha. Os espanhóis adoram brasileiros, e a toda hora convidam para um vinho-cortesia com bate-papo. Aprendi - com um Padre - que um ou dois golinhos de vinho são muito energizantes para caminhadas matinais.

Os refúgios são praticamente de graça: em geral se contribui com quanto quiser; a maioria dá US$ 1 ou 2. Querendo ter vida espartana se pode gastar bem pouco (alguns fazem toda a peregrinação sem levar qualquer dinheiro, vivendo somente dos favores e doações de outros - uma dura tarefa auto-imposta); e quem quiser fazer turismo e passar muito bem também encontra ótimos hotéis paradores.

Optei por misturar turismo à aventura, e para cobrir 860 km. levei 48 dias, dos quais 9 sem caminhar, seja por turismo, seja por contusões que tive. Quanto maior o tempo, maior o prazer. A chegada chega a ser triste para o Peregrino, pois significa o término de dias tão significativos e gratificantes. Daí eu ter resolvido continuar por mais 100 km. até Finisterre.

FINISTERRE
O Caminho de Santiago está em verdade sobre uma antiquíssima rota de peregrinação até Finisterre, o "Fim da Terra" dos antigos, quando a Terra ainda era plana. Ali o Homem ia se defrontar com o Fim, com o seu fim, com a Morte, tão bem representados pelo pôr do Sol no imenso oceano sem horizonte. Ali também o Homem se encontrava com o Renascimento, igualmente bem representado pelo nascer do Sol no dia seguinte. Rituais de Fecundidade são representados em pinturas na pedra em imemoriais ruínas.

Finisterre assim representava (representa) não somente o fim de uma jornada, mas também o início de uma outra: a volta. O reinício, o recomeço, estando o Peregrino agora mudado. Os rituais não poderiam ser mais significativos: depois de ir até o fim da terra (onde há um Farol), você desce até o mar onde devolve sua Concha ao Oceano, queima suas roupas de Peregrino/a, mergulha totalmente nu/nua (em uma água gelada) e vê o Sol se pôr (ou morrer) no Mar. E então, retorna ao Mundo. Renascido.

Pouquíssimos peregrinos cumprem atualmente este ritual (um relato para potenciais candidatos a este trecho pode ser encontrado no e-ndereço http://www.caminhodesantiago.com/finis.htm). Acabei ficando uma semana em Finisterre comendo peixe, bebendo vinho, passeando por praias desertas inacreditavelmente belas e escrevendo muito.

Ao longo do Caminho se encontra muita história antiga, muita arte, muitas lendas e milagres. Se encontra amigos e se abre o olho para inimigos. Sua sensibilidade poreja, sua atenção é total, você não perde nada. E jamais esquecerá aqueles dias nos quais - mais do que nunca - sua vida fez total sentido.

(fev/1999)

- "Perros Salvajes en Foncebadón!"

(Comentário sobre uma passagem específica da peregrinação pelo Caminho de Santiago em junho / julho de 1996)

Foncebadón foi o único dia em que caminhei com companhia, exatamente por causa dos cachorros. Tive “causos” com perros em quase TODOS os dias da peregrinação, mas para não cansar vou contar apenas este.

Nunca tive uma boa relação com cães, e sempre temi especialmente os de Foncebadón. Chegando ao (delicioso) refúgio de Rabanal, tratei de criar alarde para conseguir companhia. Ainda por cima os hospedeiros nos estavam alertando quanto a uma infestação de víboras (!) no trecho, de forma que o estado de espírito era de bastante apreensão. Eu não estava ligando a mínima para as víboras, mas os cães... E dizia a todos:
- “Perros salvajes en Foncebadón!”

Formou-se um grupo de umas 15 pessoas, entre os quais 8 padres que peregrinavam juntos. Saímos cedíssimo, sem tomar café da manhã, antes do Sol nascer – outra exceção em minha jornada. Subindo o morro eu via a luz do Sol começando a se esparramar pelo Vale. Estava muito frio. E chegamos à cidade-fantasma ainda com pouca luz, cercados por névoa e brumas.

Foncebadón estava deserta (é claro). Em total silêncio. E todos nós fomos absolutamente respeitosos. Os padres formaram um círculo para rezar. E nós outros entramos na cidade. E fomos nos afastando uns dos outros. Dez, ou vinte metros. E só quando eu estava frente a frente, sozinho com aquele bicho preto de orelhas pontudas que parecia uma mistura de lobo com hiena é que entendi que neste caso estar a vinte metros dos outros é o mesmo que estar sozinho. Eu estava sozinho com o pior cachorro do Caminho, situação que temi por toda a viagem e para a qual achava que tinha me preparado com tanto cuidado.

O bicho ficou me olhando, e eu olhando para ele. Com o cajado em prontidão e a outra mão dentro do bolso cargo lateral do joelho segurando uma faca escondida. Ele olhando, eu esperando. Até que entendi que ele não ia atacar. Uma confiança foi me invadindo, e comecei a achar que o olhar era de fome. Peguei na mochila a bisnaga com jamón que seria meu desayuno e fui dando em pedaços para ele. Primeiro o pão, depois o (delicioso) presunto. Acabei dando o sanduíche inteiro, e ficando completamente eufórico de alegria. O bicho me acompanhou até a saída da cidade, às vezes ficava para trás e então se aproximava no maior galope. Fiquei amigo do cachorro de Foncebadón! Eu, que nunca me dera bem com cachorros, e que morria de medo deste!

Tive então pela primeira vez a absoluta certeza de que iria completar a Peregrinação, e em estado de total Felicidade ergui meu cajado na horizontal com as duas mãos. Uma americana documentou, e esta foto é tremendamente significativa em minha jornada.

Depois disto as víboras não poderiam mais me picar, pois flutuei por todo o caminho até Molinaseca. Creio ser este o melhor dia de toda a Peregrinação, você passa por lugares absolutamente fortes e lindíssimos, tudo pelo alto das montanhas e próximo ao Céu, pela Cruz de Ferro, por El Acebo, enfim: a consagração do Peregrino.

Fazendo o Caminho de Santiago, não esqueça de levar jamón e pão para o perro salvaje de Foncebadón. Com minhas lembranças.

(abr/1999)

Palestra na Casa de Espanha

(Palestra proferida na Casa de Espanha / RJ no dia 24 de julho do Ano Santo Compostelano de 1999)

O CAMINHO FRANCÊS A SANTIAGO E FINISTERRE

Gostaria primeiramente de agradecer a Clarice Ferté por manter o Caminho vivo em todos nós, Peregrinos. É claro que quem faz o Caminho nunca vai esquecê-lo – mas sem nossa Primeira Dama ele nunca seria tão incandescente em nossas vidas como ela o torna.

O que vou apresentar aqui são muito mais as anotações e memórias de um Peregrino do que o resultado da pesquisa de um historiador. Desde já peço desculpas por algumas imprecisões.

O Caminho sempre começou da porta da casa de cada um até o seu destino final. Lembrem-se que estávamos no Século IX ou mesmo antes, e não existiam aviões, trens ou ônibus para levar o Peregrino até um “ponto de partida”. A pessoa saía de sua casa até Santiago – ou Finisterre, falaremos sobre isto mais tarde – e depois voltava. Tudo a pé ou a cavalo.

Para quem vem andando de qualquer lugar da Europa – Itália, Bélgica, Holanda, Alemanha – na direção da Espanha, passar pela França é obrigatório. Talvez por isto o Caminho Francês seja considerado o “Caminho de Santiago por excelência”: a França se tornou uma “porta de entrada” para o Caminho ao Norte da Espanha, à exceção dos peregrinos portugueses – como nosso amigo Aurélio já contou – ou dos espanhóis – a Via de la Plata do José Roberto. Aliás, os espanhóis se aproveitam do fato do Caminho estar “em sua casa” e o aproveitam de uma forma bem mais íntima: pais percorrem com os filhos, peregrinos que fazem a peregrinação em vários anos – andam 300 km em um ano, voltam para casa, nas próximas férias retornam para mais 300 km, até completarem. Fazem “passeios de 1 semana” pelo Caminho.

Devido a seu forte apelo religioso, a rota de peregrinação teve uma enorme importância como foco da resistência cristã à invasão muçulmana na Andaluzia (sul da Espanha) nos primeiros séculos deste milênio.

PORTA DE ENTRADA

São 4 as principais vias de acesso da França ao Caminho; 3 delas (vindas de Paris, Vezelay e Le Puy) se encontram em Ostabat, pouco antes de Saint Jean Pied de Port. Muitos brasileiros começam seus trajetos nesta última cidade francesa, ao pé dos Pirineus. Isto se deve à grande influência do Paulo Coelho e seu “Diário de um Mago”, que começa lá. Bem, eu também comecei lá, em minha peregrinação na primavera / verão de 1996.

Uma das perguntas mais comuns entre peregrinos – talvez a mais comum – é:
- “Aonde você começou?”
Esta é uma das vantagens de começar em Saint Jean. Sua resposta é:
- “Comecei na França!”
, resposta que provoca – “Oh!”s tão mais admirados quanto mais perto de Santiago você estiver.

Me pediram que contasse algumas experiências pessoais do Caminho, então vou inserir algumas aqui e ali. Saint Jean me deu um emocionante início de Peregrinação. Eu estava naquele nervosismo inicial, já tinha falado ½ hora com Mme. Debrill, carimbado a credencial, pronto para sair. Nervoso, parei no Portal dos Peregrinos, me concentrei e pensei:
- “Vou começar. Mais um peregrino no Caminho de Santiago.”
No mesmo momento todos os sinos da cidade começaram a tocar! Fiquei ali parado, imobilizado, cercado por aqueles sons celestiais, já emocionado antes de dar o primeiro passo! Foi um belíssimo “bem-vindo” que recebi do Caminho. (Depois eu entendi que era meio-dia, mas isto não muda nada).

Falam maravilhas da vista no alto dos Pirineus, onde “o Peregrino sente que pode tocar o Céu” – infelizmente não sou eu quem poderá contar. Estava um tempo horroroso, um frio terrível, muita névoa, não via nada à frente, uma tremenda pirambeira Pirineus acima, assustador para um primeiro dia de Peregrino.

Também não dá para descrever a emoção que é estar no meio do nevoeiro, no meio do silêncio, no meio do nada, e de repente cara a cara com a Virgem dos Pastores. Mas entra aqui mais uma historinha pessoal. Quando ia descendo, já no lado espanhol, em um determinado momento eu tinha a alternativa de seguir pela carretera sinuosa ou em frente pelo meio da floresta, em linha reta. Setas amarelas nas 2 direções. Consultei o mapa – ou xerox de mapa, que é o que eu tinha para aquele trecho – e as duas alternativas serviam. Eu estava encharcado, enregelado, exausto e com pressa, e optei pela linha reta, mais direta, pelo meio do mato. Havia um rebanho de ovelhas à beira da estrada, e quando eu saí da estrada e entrei pelo mato elas começaram a balir. Desci mais um pouco e elas:
- “BÉÉ… BÉÉ…”
Parei e elas pararam. Pensei:
- “Será que é comigo?”
Não, não era possível. Continuei descendo pelo mato e elas recomeçaram:
- “BÉÉ… BÉÉ… BÉÉ…”
Parei de novo. Elas pararam de novo. Não era possível! Continuei descendo – afinal era o caminho mais direto – e as ovelhas balindo! Até que consultei o mapa de novo e lá estava escrito em letras pequenas: com tempo ruim, o peregrino deve seguir a carreteira, pois o mato fica escorregadio e perigoso! As ovelhas estavam balindo comigo! Subi tudo de novo em meio à névoa e ao silêncio. Cheguei próximo a elas e agradeci:
- “Béé… Béé…”
E segui pela estrada.

Em Roncesvalles, primeira cidade do Caminho Francês em solo espanhol, temos a famosa Colegiata, fundada no século XII, um dos primeiros exemplos da arte gótica na Espanha, muito bem restaurada. A Missa dos Peregrinos é tão bela e significativa que chega a ser obrigatória.

A Mme. Debrill tinha me avisado para seguir as setas amarelas, e não as marcas vermelhas e brancas que segundo ela são feitas por “desportistas”. Fiquei com o pé atrás com aquelas marcas vermelhas e brancas, e só muito depois eu vim a entender que elas são feitas pelos franceses; são a marcação do Caminho Francês. São muitos os franceses no Caminho, tenho a impressão que eles tomam conta do Caminho também. Era muito comum algum francês ficar embromando no refúgio até o último peregrino sair – em geral, eu. Acabei pegando confiança, e mais de uma vez optei por seguir a marcação vermelha e branca pelo meio do mato ao invés das setas amarelas pela carretera segura.

Pouco antes de Puente la Reina, sobre a 4ª via francesa (vinda de Arles via Somport e Jaca) se encontra Eunate, uma das pérolas do Caminho: é um templo funerário octogonal com disposição semelhante ao Santo Sepulcro, em Jerusalém. Lá conheci uma forte - e bela - Feiticeira, que voltei a encontrar aqui e ali ao longo do Caminho.

A partir de Puente la Reina todas as vias se juntaram e só há um Caminho Francês.

SENTIDO OESTE E A VIA LÁCTEA

O Caminho Francês tem uma característica geográfica bem marcante: caminhamos para o Oeste, sempre. Como quase sempre se caminha de manhã - ou ao menos antes da 1 da tarde, quando o Sol fica inclemente – acabamos seguindo a sombra; nossa própria sombra indica sempre o caminho a seguir.

A noite temos a Via Láctea bem acima de nossas cabeças, também na direção Leste-Oeste. Indicando Santiago lá na frente.

Conheci um inglês muito engraçado – Steve, epilético, que bufava muito com seu equipamento totalmente inadequado (mochilão desconfortável, jeans) – e morria de calor. Uma vez comentei com ele que de dia nossa sombra apontava Santiago, e à noite era a Via Láctea:
- “Santiago is at the end, there!”
Steve retrucou:
- “Like a pot of gold at the end of the rainbow!…”

CIDADES GRANDES

Ao longo do trecho espanhol do Caminho Francês passamos por 3 cidades grandes – Pamplona, Burgos e León, além da própria Santiago de Compostela. As cidades grandes não são boas para o Peregrino – não tem nada a ver você de mochila, calça de selva, cajado e cantil no meio de carros, trânsito e gente de terno. Ainda por cima os refúgios são ruins e tumultuados. Nas cidades grandes eu sempre tirava um “day-off”, me hospedava em hostais – a US$ 8 ou 10 – e virava turista. Fazia compras, descansava, visitava, andava sem botas. Uma parada uma vez por semana chega a ser obrigatória, para o corpo e a cabeça. Fica tudo em dia e você fica louco para voltar para os campos.

Para quem quiser caminhar à noite, recomendo o trecho entre Sahagun e Mansilla de las Mulas. São 35 km de estrada de terra no meio do deserto, somente com uma estrada de ferro ao longe. De 9 em 9 metros há um arbusto que há anos tenta virar alguma coisa. Um calor infernal, um tédio absoluto. Não há como se perder, e creio ser esta a melhor oportunidade para caminhar se guiando pela Via Láctea.

HOSPITAIS

Os hospitais atendem os peregrinos de graça. Eu me machuquei seriamente duas vezes e sempre fui muito bem atendido – menos nas cidades grandes. Uma vez – em Frómista – eu bati na porta do hospital bem cedo, antes de começar a caminhar: ele estava fechado. Bati, bati (eu precisava ser enfaixado, tinha quebrado uma costela) até que veio uma enfermeira, me viu, virou para dentro e gritou:
- “Un peregrino!”
Ela abriu a porta e fui muito bem atendido por umas 3 pessoas. Quando ela estava me enfaixando, eu perguntei:
- “Você já fez o Caminho?”
Nunca esqueci a resposta:
- “Não… mas o Caminho não está dentro de cada um?”

Em resumo – hospital te trata muito bem.

Aliás, o povo espanhol te trata muito bem. Adoram peregrinos, adoram brasileiros. Sempre me chamavam para tomar um golinho de vinho e conversar. E quando sabiam que eu era brasileiro se desmanchavam:
- “Ya estuve en Brasil!”
- “Tengo un hermano que vive allá!”
- “El año que viene me voy a Brasil!”
- “Ronaldinho!”
E queriam que eu bebesse mais vinho…

Eu gostaria de aproveitar esta oportunidade e o fato de estar na Casa de Espanha para agradecer a todo o povo espanhol por nos tratarem tão bem e por proporcionarem ao Mundo esta experiência única.

O VINHO, por si só já seria um motivo para se fazer a peregrinação pelo Norte da Espanha. Esta é uma ótima região de excelentes vinhos: La Rioja, El Bierzo. Eu aprendi – e aprendi com um Padre – que um vinhozinho pela manhã é ótimo para dar pique. Tomei muito vinho às dez, onze da manhã, quando começava a cansar. Tomava também muito vinho no jantar. E vinho no Porrón. Temos até mesmo uma fonte de vinho no Caminho, em Irache. A Espanha – ou melhor, o Caminho Francês – foi o meu grande “iniciador” na arte da degustação de vinho.

Dois lugares particularmente encantadores me ocorrem. Um é San Juan de Ortega, um mosteiro construído no meio do nada exclusivamente para abrigar peregrinos. É um lugar especial, só tem peregrinos, missa especial à noite, visita às catacumbas do mosteiro guiadas pelo Padre Jose Maria, jantar com comunhão, debates, um ótimo tanque para lavar roupa – item importantíssimo para o peregrino – e um café da manhã fornecido pelo Padre e reforçado com alguma beberagem… (o tal aprendizado mencionado há pouco).

O outro é Astorga, uma graça de cidade elevada com dois monumentos que valem uma parada turística: o Palácio dos Caminhos do Gaudi e a majestosa catedral. À saída vale a pena desviar do Caminho por 5 km para conhecer Castrillo de los Polvazares, uma cidadezinha toda de pedras – dos telhados ao piso das ruas.

O Caminho Francês é cheio de belas histórias, de lendas e de milagres. Eu poderia passar horas aqui falando da Ponte do Passo Honroso, de Santo Domingo de la Calzada – onde la galiña cantó después de asada -, do Cebreiro. Mas o peregrino vai descobrir tudo.

Quanto mais perto vamos chegando de Santiago, mais gente encontramos. É claro: tem aqueles que começaram em Pamplona, soma os que impiezaran em Burgos, mais os de León, até Sarria, a 100 km que é a última onde se pode começar e ainda ganhar a Compostelana. É cada vez mais gente, grupos de estudantes religiosos, turistas, mochileiros; a peregrinação vai deixando de ser introspecção e virando festa. E você perde sua intimidade com a Natureza.

Embora a versão corrente do nome Compostela seja bastante romântica (viria de "Campus Stellae", campo de estrelas, avistadas sobre a cova do Apóstolo) a verdade é que a origem do nome é "Compositum Tellae", ou seja, Cemitério: o corpo de São Tiago (Jakob, Iago, Jacques, James) teria sido encontrado em um cemitério, e é sobre ele que se ergue hoje a majestosa Catedral.

A chegada a Santiago chega a ser decepcionante: cidade confusa, poluída, turística, cheia de gente, foi o único lugar onde me perdi (2 vezes!). Ainda por cima representa o término de dias tão gratificantes. É claro que há todo o ritual de missa com Botafumero, comer de graça no Parador 5 estrelas dos Reyes Catolicos, 3 dias em um refúgio com armário (!), mil lojinhas e restaurantes. Mas não era isto que eu queria após 43 dias de caminhada, e assim resolvi seguir até Finisterre, embora todos me recomendassem o contrário (com os mesmos arqumentos que usavam para tentar convencer a não fazer o Caminho: “Não há nada para se ver no caminho”, “É perigoso”, “Não tem onde dormir”, “Vá de ônibus”, “Os cachorros não são presos” e “Siga a carretera”). Mas a esta altura você já aprendeu a graça da coisa, e quer mais é seguir em frente.

FINISTERRE

O Caminho de Santiago está em verdade sobre uma antiquíssima rota de peregrinação até Finisterre, o "Fim da Terra" dos antigos, quando a Terra ainda era plana. Ali o Homem ia se defrontar com o Fim, com o seu fim, com a Morte, tão bem representados pelo pôr do Sol no imenso oceano sem horizonte. Ali também o Homem se encontrava com o Renascimento, igualmente bem representado pelo nascer do Sol no dia seguinte. Rituais de Fecundidade são representados em pinturas na pedra em imemoriais ruínas. Em um “Leito do Santo” na Capilla de San Guillermo (na pedra) as mulheres inférteis tentavam engravidar (religiosamente abençoadas).

Finisterre assim reprentava (representa) não somente o fim de uma jornada, mas também o início de uma outra: a volta. O reinício, o recomeço, estando o Peregrino agora mudado. Os rituais não poderiam ser mais significativos: depois de ir até o fim da terra (onde há um Farol), você desce até o mar onde devolve sua Concha ao Oceano, queima suas roupas de Peregrino/a, mergulha totalmente nu/nua (em uma água gelada) e vê o Sol se pôr (ou morrer) no Mar. E então, retorna ao Mundo. Renascido.

Não dá para cumprir este ritual de consagração de ônibus…

Em 1996 era muito difícil conseguir informações sobre como fazer este trecho à pé. Mas consegui alguns péssimos mapas e segui. Aqui se acabaram as setas amarelas, os refúgios e os cachorros presos. Agora estamos andando sobre mato desconhecido, guiados por bússola e feeling – felizmente após 760 km teu feeling de caminhante está tinindo!

1º DIA

Não há o que questionar no primeiro dia: o trajeto é até Negreira, a 20 Km. de Santiago. São 20 quilômetros em condições bem diferentes das que você está acostumado, portanto não pense que vai percorrê-los no mesmo tempo e com a mesma calma dos últimos tempos de Peregrinação (a Galícia nos deixou mal acostumados...). Primeiramente um pouco de mato; depois uma perigosa carretera; finalmente você começa a caminhar pelas estradas comarcais. Povoados graciosos e gente simples e simpática. E subidas puxadas sob sol escaldante.

No meio do trajeto, uma pérola: Ponte Maceira, com uma enorme e maravilhosa ponte medieval, uma das mais bonitas do caminho – e com uma vista extasiante. Do outro lado da ponte a Capilla de San Blás, o padroeiro das doenças da garganta: não deixe de tomar um pouco da água de sua fonte (aliás, pode encher logo o cantil com esta geladíssima água santa!…).

Negreira tem pensões, restaurantes e mercados: é fácil se virar.

2º DIA

No segundo dia a coisa complica: a próxima pensão fica em Ceé, a 44 Km. de Negreira e 12 Km. antes de Finisterre; ou seja, você vai ter que achar alguma coisa no caminho. E este caminho vai sendo feito a cada passo. Esta é uma caminhada que faz um bem enorme. Você fica sozinho, longe daqueles grupos de turistas que infestavam o Caminho nas últimas dezenas de quilômetros; se perde muitas vezes, tem que conversar com todo mundo, traçar o próprio caminho. Cada pessoa com quem você conversa te dá uma idéia diferente de por onde prosseguir, cabe a você decidir. Você escolhe subir um morro ou contorná-lo (eu escolhia subi-lo) ou aonde vai atravessar os rios.
Em um trecho absolutamente deserto comecei a ser acompanhado por uma manada de vacas, do outro lado de uma sebe de espinhos depois de uma vala. Não tive dúvidas: atravessei a vala e me enfiei na sebe, esticando as mãos para que as vacas a lambessem. Naquele momento não conseguia entender como algum dia eu já tinha usado terno… Aliás, até hoje eu ainda não entendo.

Para encontrar onde dormir desviei-me 4 Km. do rumo e fui dormir em Picota (capital do município de Mazaricos), próxima a Lagos, 26 km. depois de Negreira. Não havia hotéisou pensões, e tive que alugar um quarto de uma casa em construção para ter um teto e um banheiro.

3º DIA – CAMINHO REAL

No último dia peguei um tempo igualzinho ao do primeiro dia nos Pirineus: nevoeiro, frio, não via nada. Andei para lá e para cá pelo Caminho Real. Me perdi e me achei várias vezes em minúsculos povoados de 5 casas entre as montanhas. Parecia que no primeiro dia eu tinha atravessado um portal, e agora estava saindo!

E de repente, à distância, 2 meses depois… você enxerga o Mar. Enxerga o Fim da Terra. Você chegou.

Finisterre é a mais maravilhosa recompensa que se pode encontrar ao fim desta Peregrinação. Uma cidade de pescadores acostumada a receber turistas de um ou dois dias. Ali fiquei por toda uma semana, bebendo vinho, comendo os mais deliciosos peixes, escrevendo muito e visitando inacreditáveis lugares: o Farol do fim do Mundo, com seus penhascos que te trazem todas as perguntas (e a certeza da inutilidade das respostas); a Praia do Mar de Fora, ideal para o ritual final do Peregrino e banhos de mar sem roupas; a praia da Langosteira com sua cor incomparável; uma segunda visita ao Farol à noite (sempre a pé); as belíssimas imagens de santos na Iglesia Paroquial de Santa Maria das Areas; o enorme quebra-mar; e tudo mais que você vai conhecer lá.

Fiquei em uma pensão chamada Casa Velay, em um quarto de frente para o belíssimo mar em uma inesquecível enseada. Restaurantes existem aos montes, mas não deixe de visitar os que ficam em frente ao porto. Nas Galerias Pérez se encontra informação, souvenirs, literatura e receptividade da sra. Lourdes. Na prefeitura você carimba sua credencial (carimbei até meu passaporte!) com o ‘sello’ “Fin da Ruta Xacobea * Consello de Fisterra”. E no Patronato (e não na Igreja) você obtém o último carimbo. Se der sorte, a sra. Pilar escreverá em sua credencial: “Fisterra. Fin Ruta Xacobea. Que el faro y la estrella te guie en tu caminar”. Atualmente existe até uma “Finisterrana” e um refúgio para quem faz este último trecho à pé.

Ao longo do Caminho se encontra muita história antiga, muita arte, muitas lendas e milagres. Se encontra amigos e se abre o olho para inimigos. Sua sensibilidade poreja, sua atenção é total, você não perde nada. E jamais esquecerá aqueles dias nos quais - mais do que nunca - sua vida fez total sentido.

(jul/1999)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

(Hearing Earring 1 de 4) Golden Dreaming

Lá pelo início dos anos 80, em alguma edição especial da revista ROLLING STONE americana, li uma matéria sobre um show do LED ZEPPELIN em Londres na qual o autor comentava: “it was the first time I took a transcontinental flight to see a rock concert”. Na condição de roqueiro fanático, aquela frase foi uma iluminação: algum dia eu teria que fazer um transcontinental flight to see a rock concert...

Considero 3 bandas como a “Santíssima Trindade” da música: o GENESIS (com Peter Gabriel), o MARILLION (com Fish) e o GOLDEN EARRING. Das três, a banda holandesa é a única ainda em atividade (respeitável). Eles têm a mesma formação há mais de 40 anos, e continuam mais ativos do que qualquer outra banda que eu já tenha ouvido falar. Me chamaram a atenção em 1973 com a famosérrima “Radar Love”, do excelente álbum “Moontan”. “Switch”, o disco seguinte, foi uma antítese do “Moontan” (a começar pela capa que parodiava a maravilhosa capa-mulher-nua do álbum anterior), e apesar de conter diversas pérolas, me afastou do Earring (como aliás aconteceu com o mundo todo). O resgate veio através do devastador “Golden Earring Live” (1977), para mim nada menos do que o MELHOR disco ao vivo de todos os tempos. A partir daí eles me bombardeavam com petardos nada menos do que espetaculares a cada 1 ou 2 anos, discos poderosíssimos, criativos, com brilhantes riffs de guitarra e composições primorosas. Mamãe (fã incondicional de “Mad Love is Coming”, do álbum “Contraband”) os definiu como “uma banda extremamente viril” enquanto ouvia a inigualável “Save Your Skin” (de “No Promises, No Debts”), certamente influenciada pelo excepcional vocalista Barry Hay. O guitarrista Glauco Guedes comentou certa vez que George Kooymans “é um guitarrista que nunca erra”; já o guitarrista AnteNNa comentou que a dupla Rinus Gerritsen (baixo) e Cesar Zuiderwijk (bateria) é “uma cozinha objetiva, extremamente eficaz, aguda, que tocam juntos como se fossem um só”. Cesar chegou a ser convidado para substituir Keith Moon na bateria do THE WHO quando este morreu, mas felizmente recusou (o Earring excursionara com o Who pouco tempo antes). Aliás, certa vez Cesar promoveu um workshop com 1.000 (MIL !) bateristas em um porto holandês, dividindo-os em 4 grupos de 250 bateras e comandando a execução da seção rítmica de “Radar Love” – quem conhece a música pode imaginar o espetáculo que foi este workshop.

Eu poderia discorrer por dias sobre esta banda que sonoriza minha vida. Tenho deles cerca de 40 discos e 10 vídeos, além de toneladas de correspondência trocada ao longo de décadas – afinal nunca foi fácil conseguir seu material, imagine conseguir discos que só eram lançados na Netherlândia em uma época em que não existia internet... Mesmo atualmente não é fácil conseguir-lhes os discos, o que dizer de DVDs que só saem na Holanda, de uma banda quase desconhecida no resto do mundo. Mas prefiro tecer apenas dois comentários: o primeiro é que entre todas, esta é a banda que melhor explora dois vocais (um grave e outro agudo), conseguindo ser ainda melhor do que a dobradinha Coverdale-Hughes na gloriosa fase bluesy do DEEP PURPLE. Outro evento marcante para mim foi que quando começaram a alternar shows acústicos e elétricos (a série de discos acústicos se chama “Naked”) o Earring gravou um disco em um formato brilhante e que acho que deveria ser seguido por outras bandas: com o álbum totalmente composto, montaram um estúdio-garagem e convidaram cerca de 40 very special guests (membros do fã-clube, principalmente gatas) para assistirem à gravação do disco ao vivo. “Face It”, de 1994, é uma das muitas obras-primas da banda, mas ainda por cima alia a energia de uma gig a uma seqüência primorosa de músicas novas. O DVD – em formato holandês – está disponível, sendo um obrigatório documentário sobre a confecção de uma masterpiece.

Após a internet passei a acompanhar mais de perto as apresentações do Golden Earring. Os caras se apresentam praticamente dia sim dia não, alternando shows elétricos com acústicos. E isto há várias décadas!, creio que desde sempre, nunca vi banda com tamanha energia e vitalidade – ou virilidade...

O show do Led Zeppelin na O2 Arena em Londres em dezembro de 2007 reacendeu a chama, realçada pelo fato do primo AnteNNa ter feito o transcontinental flight para assistí-lo – e de quebra ainda me trouxe uma exclusivíssima camiseta do evento... No mesmo mês o profeta Fabio Star deu uma esticada de sua viagem à França e foi assistir ao EARRING em uma cidadezica que ele definiu como “uma Queluz holandesa”... Voltou com fotos e histórias de backstage, camisetas, e ainda me presenteou com um “Switch” autografado pelos 4! A partir daí, o próprio Estrella, com o apoio de Glauco e de Ane, começaram uma intensa campanha para que eu fosse à Holanda assistí-los. Pesquisa daqui, pesquisa dali, em janeiro/08 verifiquei que em maio eles fariam 3 shows em datas próximas. Tentei adquirir os ingressos via internet sem sucesso, e então escrevi para a banda relatando as dificuldades e pedindo ajuda. A resposta foi melhor do que o mais ousado sonho que um fã pudesse ter: “you have been included in the Golden Earring guest list for the three concerts. No need to buy tickets; just mention your name at the entrance”. É claro que comprei a passagem pela KLM no mesmo dia!...

E assim, aos 51 anos chegou finalmente a hora de eu fazer meu transcontinental flight to see three Golden Earring concerts. Você pode acompanhar alguns vídeos dos eventos e a programação da banda no site http://www.goldenearring.nl/ . E se notar um roqueiro grisalho chorando emocionado enquanto a banda performa nos shows dos dias 09, 11 e 12 de maio, do yourself a favour e pesquise mais a fundo e se informe sobre o... GOLDEN EARRING!

“There’s a sign at the end of the road, and it says: Next stop... Twilight Zone!”. Muitíssimo obrigado Mr. Star, Gloug e Ane. Saudações,
Always Rocker

PS: os setlists de diversos shows da carreira do GE – inclusive shows deste ano, e até da semana passada – estão em http://home.wanadoo.nl/casper.roos/setlist.html, um excelente site de fã, com MUITA informação.

(mai/2008)

(Hearing Earring 2 de 4) O13 Tilburg 09/mai/08


Algumas pessoas comentaram também já terem feito transcontinental flights para assistir a gigs. Aldo foi assistir ao RUSH em London em meados dos anos 80, e como bonus teve o antológico show do QUEEN en Wembley. E Mamãe foi a Miami para assistir com a Prima Lola Mary aos ROLLING STONES no show "No Security", sem segurança entre platéia e palco - e as duas em assentos “front row”...

Fui ao primeiro dos 3 shows com a camisa atual da seleção brasileira especialmente confeccionada para a ocasião, com o nome GOLDEN EARRING e o número "08" gravados nas costas. Ainda bem que saí de Breda 4 horas antes do horário (Zaal open 20.00, Aanvang 21.00, saí às 17h30m, mas o Earring só comecou às 22hs), pois levei uma hora e meia para percorrer os 25km entre o hotel e a O13 em Tilburg. Mudei a opção de trajeto no meio do caminho, e aí babau, pois todas as setas e indicações são em holandês - é óbvio - e a sinalização de estradas deles não tem NADA a ver com nossa lógica... Imagine o nó ao errar uma esquina!

A "O13" é uma excelente arena, um mini-Canecão ou mini-Credicard Hall. Cabem umas 1000 pessoas. Cervejas e todas as demais bebidas são vendidas através de "tokens", cada um custando 1,90 euro e dando direito a um copo pequeno (300ml) de draft local.

No casaco de couro de um motoqueiro na platéia: "Remember when SEX was safe and MOTORCYCLES were dangerous?"

O opening act foi a banda inglesa The 925's, garotada de 18-20 anos, brilhantes, arrebentaram, roubariam a cena não fossem as estrelas da noite as estrelas da noite... Comecaram às 20h40m e terminaram às 21h35m. Desci para forcar um xixi e pegar mais cerveja, e perguntei à loura do stand de merchandise da banda se ela estaria lá ao final do Earring (pois queira comprar o CD) - ela estaria. (continua abaixo)

Voltei e fiquei bem próximo ao palco, no 3o. degrau de baixo para cima, de onde dava para ver absolutamente TUDO.

1. SKYSCRAPER HELL OF A TOWN - O Earring entra elétrico, enxuto, saídos do banho, cheios de energia. Os 4 totalmente de preto e evidentemente felizes por estarem ali. Sem dúvida estão em casa, não há porque excursionar em outro lugar. Para minha surpresa, abrem o show com versão ainda mais pesada da música que mais tenho ouvido e cantado ultimamente: "I'm goin' up, I'm goin'down / in this skyscraper hell of a town..." (do último disco "Milbrook USA").

2. CANDY'S GOIN' BAD - Kooymans tocando com wah-wah, versão brilhante e com a surpresa do final extendido da versão original - só que bem mais pesado, é claro!

3. ANOTHER 45 MILES TO GO - Barry Hay anuncia: - "Here's Jojo!" e Kooymans canta acompanhado por TODA a platéia. Eu tinha me esquecido de que ele é um tremendo presepeiro; fica agitando a platéia todo o tempo.

4. LEATHER - Uma música curiosa: de um disco ("Grab It For A Second") que tem 8 músicas das quais 6 eu acho ESPETACULARES, eles elegeram esta “coisa” para fazer sucesso. Uma pena... mas é obvio que adorei. Um segundo guitarrista (de NYC) deixou o som mais denso - aliás, na versão original eles ainda tinham Eelco Geeling na segunda guitarra.

5. TWILIGHT ZONE - Versão hipnótica, o longuíssimo solo voando e passeando entre os falantes. Estarei sonhando? Tive certeza que sim. Se eu já tinha chorado muito de emoção durante a tarde, depois já na venue antes do show, e muito mais após o início, aqui abri o berreiro. Uma holandesa no degrau abaixo reparou e chamou a atenção do namorado.

6. LONG BLOND ANIMAL - PQP! A maior música de todos os tempos, ali, na minha frente, ao vivo! Long Blond Animal faz muito mais sentido nesta terra em que TODAS as mulheres são blondies (aliás, para quem gostar de lourinhas de olhos claros e pele branca com seios volumosos e estupendos saltando por decotes escancarados, esta terra é o PARADIS!!!).

7. FIGHTIN' WINDMILLS - Totalmente adequada para a Holanda, terra dos moinhos e das "vacas Atom Heart Mother". O Guitarrista convidado ficou no violão eletrico, Barry Hay mandou na segunda guitarra. A música que tem o verso mais marcante de minha vida, e que na adolescência cheguei a mandar gravar em uma placa: "Anything, but givin' in". Fightin' windmills, in the end... you win! Efeitos especiais: a pedaleira de Rinus Gerritsen faz o som sinfônico; e do meio para o fim, o som dos moinhos girando, bem mais alto do que no "Live 1977".

8. MY LIPS ARE SEALED - Nova. Reconheci porque já havia lido a respeito no site. Normalmente nunca gosto das músicas no Earring na primeira audição; sempre demoro umas 3 vezes para entender e mais 3 para gostar (o que aliás sempre me aconteceu com todas as bandas que idolatro); mas neste caso, foi - é óbvio - paixão à primeira audição.

9. GAMBLER BLUES - Excepcional musica do "Paradise In Distress": "I came here to gamble / not to dance tonight"... Marcada, pulsante, viril. Choro convulsivo esguinchando, o que não impediu por um único momento os olhos esbugalhados brilhantes absorvendo e refletindo tudo o que acontecia no palco. O eterno Bertus Bogers toca um maravilhoso solo de sax, um sax-rock, detesto este instrumento que prefiro chamar de "corneta", mas no caso dele (e de Andy Mackay), é um OUTRO instrumento...

10. BOMBAY - com 3 guitarras!!! Me esbugalhei de chorar, gracas a esta música eu fiz um enorme desvio em minha viagem à Índia só para visitá-la e poder cantar in loco: "Bombay seems / lost in dreams..." Um ritmo da bateria absolutamente contagiante, a platéia cantava e dançava e balançava os braços: "If I die... Kama Sutra is the reason why!".

11. WEEKEND LOVE - com 3 violas elétricas. A menina da fila da frente olhava mais para mim do que para o show, mas desta vez eu não estava chorando!... (Ela provavelmente achou que eu estaria porque Weekend Love é uma balada de sucesso). Daqui para o fim, o guitarrista convidado tocou em tudo ou quase tudo.

12. WHEN THE LADY SMILES, uma de minhas favoritas, se é que consigo ter favoritas. Introdução feita pela pedaleira de Gerritsen. O grito de Kooymans ("I know...") com distorção e delay, nunca vi algo assim.

13. GOING TO THE RUN - feita para um motociclista amigo da banda que morreu. Fabio Star adora ("He rides a bike instead of a car / I wanna be his friend..."). "Going to the run" significa "saindo para um passeio", estes passeios-esticada de moto de final de semana nos quais vai a maior galera.

14. JOHNNY MAKE-BELIEVE - a música que gostaria que tocasse em meu enterro (ou melhor, cremação).

SOLO RINUS GERRITSEN seguido por dueto com CESAR ZUIDERWIK. A cozinha do Earring destrói o Mundo na minha frente. Rinus está muito bem, dá o sangue por seu instrumento. A performance da banda é impecável, inesquecível. O baixo de dois braços era um prenúncio do que viria em seguida...

15. RADAR LOVE - Ladies & Gentlemen, Madames & Monseigneurs, Boys & Girls: eu já vi o Golden Earring tocar Radar Love ao vivo...

Com pouco mais de 1h40m o show acaba. A platéia do Earring tem um grito de guerra "we want more" que chegou até mesmo a ser o nome do lado 4 do LP "Live" de 1977. A banda volta, é claro.

ENCORE

16. SHE FLIES ON STRANGE WINGS - "Lonely as a night without you...". Música antiga em versão punk, destorcida, veloz, cruel. A esta altura a holandesa já tinha subido para o meu degrau, e dancava esbarra-daqui-esbarra -dali.

17. HOLY HOLY LIFE - demorei para reconhecer. Preciso ouvir mais Golden Earring...

Duas horas de show e eu estava emocionalmente destroçado. Falei para a holandesa: "You must have seen me crying for a couple of times...", e contei a história. Depois contei para o namorado dela, e então para um amigo do casal (que adorava música brasileira, "Planet Hemp for instance", ao que respondi "For sure"...). Começou a juntar gente, estava todo mundo curioso com aquela peça de cabeleira grisalha (deixei o cabelo crescer por 2 meses para este show, e meu cabelo cresce para os lados...), com camisa do Brasil com o nome da banda. Eu contava a história, e uma outra holandesa se chegou e falou: "But you left your country with all these women with big asses!..." e fazia gesto de mãos apalpando bundas salientes; "Here we women are all flat!". Com toda a educação que Papai & Mamae me deram, respondi: - "I prefer long blond animals...". A mulher ficou dançando e rebolando enlouquecidamente na minha frente enquanto eu falava da viagem para uma enorme galera.

No balcão de merchandise do "The 925's", os 4 da banda estavam lá. Dei efusivos parabéns, disse que era fã do Golden há 35 anos e que tinha feito a viagem exclusivamente para ver o show; mas que do jeito que o 925's é, dentro de 35 anos estarei fazendo uma viagem para vê-los... Os caras adoraram, a loura peituda e gostosinha do stand tambem adorou, comprei 3 CDs autografados pelos 4 (um e' para Marcela). Perguntei o que quer dizer o nome da banda, "it is nine to five, we work nine to five... but in fact nowadays we work from four to one!".

Na fila para entrar no camarim do Earring, a blondie do 925's passava para lá e para cá, sempre dando olhares e sorrisos sedutores e entregues. Aí disse: "I like you". Depois abriu o bolso da calça, apontou para mim, e apontou para dentro... Até que me agarrou e me sapecou um beijo - na bochecha. Estava indo embora.

No camarim, George Kooymans (bem mais alto do que eu) foi extremamente atencioso ao saber de minha história, e me convidou para entrar e beber alguma coisa - peguei uma coca, ainda ia pegar a estrada de volta. Barry Hay estava completamente alcoolizado, e quando falei do Brazil ficou falando: "I've been to Brazil two times...". Contei que sabia de Taubaté (a hilária historia que Fabio Star contou da passagem de Barry Hay por Taubaté, onde comeu "o melhor frango de sua vida"!!!), e ele balbuciou: "Taw-bah-tee... Uw-bah-two-bah...". Fiz a pergunta que sempre quis fazer: a letra de "They Dance" é sobre o Carnaval no Brasil? Os olhos de Barry brilharam, ele escavucou a memória e disse "YES, I made it in Sao Paulo, I had just visited a 'favela'... You got it man!, it is about the dancers of Carnival", eu emendei "too poor to strike a match / if you know what I mean", ele cantou um trecho errado, eu corrigi ("they dance to that voodoo rhythm"), EU CORRIGI BARRY HAY EM UMA LETRA DO GOLDEN EARRING!, enfim foi isto.

Ao final Rinus Gerritsen percebeu o quão emocionado eu estava, me abraçou para a foto, aí é que me caiu o mundo, não consegui mais parar de chorar. Falei para cada um três (Cesar já tinha ido embora) a mesma coisa: "you are the soundtrack of my life, thank you for everything, I came to the Netherlands just to see you", e Rinus respondeu "... while we are still standing...".

Foi isto. Que a sua vida tenha momentos tão sagrados quanto este. A chave está na última música do show: Holy holy life, sometimes is lonely, sometimes is sad, but sooner or later, they'll find you dead.

Holy holy life.

(mai/2008)

(Hearing Earring 3 de 4) Ajoc Festival 11/mai/08

Banhada, barbeada e de unhas cortadas, a Noiva saiu rumo ao show às 16h50m, mais de 5 horas antes do horário marcado. Preocupações: além de serem quase 100km de Breda (onde estava hospedado) até as cercanias de Mijdrecht, local do AJOC FESTIVAL (que mais tarde Rinus me disse se pronunciar “aioc”, assim como o time Ajax é “aiax”), o local – de acordo com o Google Maps – era no meio do nada! Some-se a isto o monte de voltas que dei em Tilburg, mais a ansiedade, 5 horas seriam de bom tamanho.

De ótimo tamanho! Após 90km de estrada a cravados 100km/h, peguei as vicinais que eram quase estadas de terra. Foi um passeio pelo interior da Holanda, com represa e muitos diques. É uma região que foi drenada e portanto está abaixo do nível da água. Com isto, a vegetação é muito verde e forte. Minha intensa pesquisa deu resultado: fui bater diretamente no local do Festival, uns enormes galpões armados no meio do nada alagado. Brandi os e-mails impressos e consegui estacionamento privilegiado. Eram 18h30m, e na entrada fui informado que os portões abririam às 20hs. Mico total, no meio do nada e com 90 minutos de espera!

A camisa amarela do Brasil reluz ao sol, e em 5 minutos o segurança do Earring veio me buscar lá fora. Falava pouquíssimo inglês, mas conseguimos nos entender: estava sensibilizado com minha jornada, e me adotou, me levando para os camarins, me conseguindo cerveja e finalmente uma pulseira que dava acesso a TUDO – até o palco! Fiquei zanzando pelo backstage, comprei uma segunda leva de camisetas que deixei no carro (free access, lembra?), conheci Jan van der Geest, nada menos do que o DESCOBRIDOR da banda quando crianças, e mentor até hoje. Jan está paraplégico há 2 anos, quando caiu de uma árvore (creio). Não fala inglês, mas me comuniquei com ele através de um casal que é parte da entourage. Fiz perguntas e elogios, e contei a história de minha vinda – todo mundo quer saber. Ele pediu meu cartão de visitas com endereço, e ME DEU SEU PRÓPRIO BACKSTAGE PAS! Algo como se você fosse a um show do Zeppelin e Peter Grant te desse o próprio backstage pass... Todos que me viam com aquele passe arregalavam os OlhOs...

Depois de me dar seu número de celular (“in case you need it”) e duas cervejas, o Segurança - Mr. John O’Hello, pronuncia-se “otchelo” – perguntou se eu queria comer e ofereceu que eu fosse para a tenda de ‘catering’, onde Rinus Gerritsen comia. Totalmente sem jeito restringi-me a uma salada e salmão, e FIQUEI QUASE 1 HORA CONVERSANDO COM RINUS! O cara é um gentleman, paciente, respondeu a todas as perguntas, sempre com sua cadela Suus (com um olho azul e outro castanho). Algumas respostas (editadas) estão a seguir.

M – Existem diversas músicas que não estão em álbuns oficiais. Por exemplo “I Need Love” que não consta do “Contraband” mas sim de sua versão americana “Mad Love” – que por outro lado não tem “Faded Jeans”. Ou então “I Do Rock’n’Roll”, “Yes! We’re On Fire”, “Die Bus” ou ainda a bela e antiqüíssima “The Song Is Over”, que consta de uma compilação lançada no Brasil e que jamais vi em lugar algum. Seria possível o lançamento de um disco “From The Vault”?

R – São músicas que ficaram prontas quando os discos já haviam sido lançados. No caso de “I Need Love”, os discos lançados nos EUA têm versões diferentes dos lançados na Holanda – veja “Moontan”, por exemplo. O mercado americano prefere músicas mais longas, enquanto na Holanda tudo se resume ao Top 40. “I Do Rock’n’Roll” foi um compacto. “Yes! We’re On Fire” foi encomendada pelo comitê olímpico holandês, que necessitava uma música-tema instigante. Não vamos ficar remexendo no passado, pareceria ‘raspagem de tacho’, ainda mais nesta era de You Tube, onde você pode encontrar qualquer coisa antiga; não faria sentido.

M – Você compunha muito no início da banda, mas não mais atualmente. Pensa fazer um álbum solo?

R – O processo criativo com o EARRING mudou bastante ao longo dos anos. Hoje George mora na Bélgica e Barry no Caribbean. Não é tão fácil colocar todo mundo junto e dizer “OK, agora vamos compor”. E mais, sempre foi muito fácil juntar todos no estúdio de George e começar a compor e gravar, e se as coisas não saíam bem, dizíamos: “OK, continuamos amanhã, amanhã dará certo”. Foi por isto que decidimos gravar o último disco (“Milbrook USA”) nos Estados Unidos: tínhamos um tempo de estúdio pré-determinado, e passagens de volta. Tínhamos uma pressão de tempo, e assim precisávamos acabar o trabalho em duas semanas. Ademais os estúdios americanos são muito bons e baratos. Talvez no futuro eu faça algum trabalho solo, mas não agora enquanto continuamos lançando álbuns e fazendo shows. Cesar já tem um trabalho extra, ele é um ‘one man show’.

M – Como vocês escolhem as músicas do setlist?

R – Algumas músicas não podem faltar, como “Radar Love”, ”Twilight Zone ” e ”When the Lady Smiles”. Em torno delas nós vamos agrupando outras músicas até ficarmos com um show coeso. Não podemos colocar três baladas em seguida, por exemplo, porque as pessoas vão começar a beber, a olhar para os lados e a bocejar (enquanto falava fazia os gestos e movimentos). Depois de uma balada tem que vir uma agitada; temos que manter o “beating”.

Showtime, eu não poderia estar mais feliz. Fiquei do lado de fora dos galpões até acabar o último show de suporte, e então entrei. Embora o lugar estivesse lotado, eu facilmente cheguei à primeira fila. E daqui a pouco uma mulher que também estava na primeira fila veio a mim e falou:
- “Meu marido tem uma camisa igual à sua, com o nome gravado nas costas.”
A esposa de Sjaak Neels! Sjaak é o “cyberbrain” e responsável pelo website do GE, e foi ele quem contatei do Brasil em janeiro e que me convidou para estes shows em maio. Respondi:
- “It was me who gave it to him!”

Pontualidade holandesa: assim como o gig de Tilburg, este começou às 22h05m. Mesmo setlist, mesma duração (cerca de 2h05m). Uma holandesa baranguinha era toda sorrisos e gentilezas a meu lado, conversamos bastante. Desta vez eu não estava tão emocionado como na primeira vez – virgindade acabada, ou como disse André Vasco-n “o primeiro filho é de vidro mas o segundo é de borracha” – ainda mais eu já sabendo o que iria acontecer, curti o gig com os mesmos olhos arregalados e esbugalhados, a mesma alma totalmente aberta, o mesmo sentimento de conquista plena, de felicidade completa. Gravei algumas coisas – assim como Gloug disse durante a execução de “The Other Side” na gig do AEROSMITH na Praça da Apoteose, “o riff de minha vida”, posso dizer o mesmo da versão de “She Flies On Strange Wings”, que na verdade nem é uma de minhas favoritas.

As gravações não ficaram muito boas porque a galera pulava enlouquecida, e o chão composto por tablados montados sobre o charco subia e descia acompanhando a cozinha do Earring. As roupas da banda eram exatamente as mesmas de Tilburg, espero que as tenham lavado (embora eu também estivesse com a mesma roupa de Tilburg, e sim, eu tinha lavado a camisa do Brasil). – “George is the man of the day, the guy of the moment. Here’s Jojo!”, diz Barry introduzindo “Another 45 Miles”. Mais uma vez assisto a duas horas do “guitarrista que não erra”, segundo Gloug.

Chove cerveja o tempo todo. O AJOC FESTIVAL é uma grande festa, e os holandeses ficam arremessando copos de cerveja cheios. É curioso: eles compram TONELADAS de tokens, depois pegam DEZENAS de copos de cerveja ao mesmo tempo. Nos balcões os copos são colocados pelas próprias atendentes em porta-copos que lembram nossos porta-ovos (de galinha) de papelão, com lugar para UMA PORRADA de copos de cerveja. O comprador sai com uns 20 copos, atravessa o salão até seus amigos, e dá-lhe birita!

A platéia pula alucinada em “When the Lady Smiles”, Rinus tinha razão. Durante “Johnny Make-Believe” estoura uma arruaça a 3 metros de mim, algo como uma roda de pogar que deu briga. A platéia está insana. E chove cerveja.

O solo “espacial” de baixo é bom para acalmar os ânimos. Durante o solo de bateria em “Radar Love”, Cesar se levanta e bate nos tambores suspensos atrás dele. Eles piscam e imagens são projetadas acompanhando o rítmo; lembra um pouco “In-A-Gadda-Da-Vidda”.

O show acaba e a esposa de Sjaak me leva para o backstage – lembre-se, estava com a pulseira azul “all areas access” – e saímos da platéia e SUBIMOS NO PALCO para ir aos camarins onde eu já havia passado a tarde. Eu já era figurinha marcada – a camisa do Brasil foi realmente um achado – e fiquei conversando com o motorista de George Kooymans. À tarde eu também tinha conhecido o irmão de Rinus, Rob Gerristsen, que é o empresário da banda. Alcancei Cesar Zuiderwijk saindo, e tirei a foto que não conseguira na primeira noite. Time to go home. Comprei uma coca e um hamburger (rrrámburrger, como falam eles, muito bom, meio apimentado, paladar wurst, diferente) e atravessei o imenso salão onde muito mais do que as estimadas 4000 pessoas se abarrotavam pulando, dançando, garotas falavam comigo e com todos, todo mundo abordando todo mundo, a música holandesa de festa parece aquelas coisas de São João, ufanas, triunfantes, bradantes, marchinhas. Levei vários banhos de cerveja. Na saída uma mulher (enorme!) da Segurança veio saber o que eu tinha achado do evento. E sutilmente mostrou que eu não podia sair levando embalagens descartáveis (risco de jogar no mato e poluir); tive que matar a coca ali mesmo.

Quando fechei a porta do Fox 1.2 preto, meu cheiro de cerveja empesteou toda a cabine. Eu tinha 100km de estrada pela frente, e uma certeza: se a Polícia me pegasse, estava FODIDO!

A saída do estacionamento não era pelo lado por onde eu tinha entrado. Fui enviado (em holandês) para uma outra saída bem distante, onde indaguei carregando em meu sotaque holandês:
- “Utrecht?”
A resposta foi em holandês. E de repente lá estava eu no meio do campo, no meio dos diques, no meio da noite, no meio do nada!

Foi difícil. Segui até encontrar uma vila – Mijdrecht, creio. Imagine o silêncio à 1 da madrugada em uma vila no campo. Ruelas sem saída. Ainda consegui encontrar um ciclista no meio da noite – mas ele só falava holandês, e estava totalmente bêbado! Felizmente (como sempre) eu estava com uma bússola e sabia a posicão relativa da estrada, e com as explicações que o bebum balbuciou (‘links’ e ‘rechts’ parece alemão) consegui chegar a uma vicinalzinha, depois outra, e finalmente a N219 que me levaria à A2. Ufa!

Não existe erro nas estradas holandesas: você vai a 100km/h fixos o tempo todo, não tem nem graça fazer conta de Horário Provável de Chegada, você sabe exatamente a que horas vai chegar a seu destino.

Breda, 2h30m da matina. Silêncio. Silêncio absoluto é o que você ouve a esta hora da madrugada em uma cidadezica holandesa caminhando do Estacionamento até o Hotel. Silêncio. Ainda mais se você estiver voltando de duas horas de rock and roll seguidas por uma festa barulhenta. Com cheiro de cerveja e a felicidade de 2 shows do Golden Earring na memória. Este foi o dia de sonho de qualquer fã de uma Banda de Rock.

(mai/2008 - jan/2010)

(Hearing Earring 4 de 4) Pink Pop Classic Festival 12/mai/08


O 3o show era já no dia seguinte, o open-air PINK POP CLASSIC FESTIVAL em Landgraaf, perto de Maastricht, 150km ao sul de Breda onde me hospedara para os primeiros dois. Isto significou muita correria: fui dormir às 4, acordei às 8, check-out às 11, estrada. No caminho fui ouvindo o 2nd Live, observando que todo o espetacular instrumental rítmico esporrento está lá, somente acontece que nos shows a guitarra é muitíssimo mais alta. Talvez os discos do futuro venham com opção de mixagem: um instrumento em cada canal, algumas masterizações pré-programadas (“flat”, ”original show”, ”recommended master”, etc) e o ouvinte poderá fazer sua própria mixagem. Tomara.

Programação do PINK POP CLASSIC FESTIVAL (após 16hs):
16:30 – 17:30 FISH
18:00 – 19:00 MANFRED MANN’S BAND
19:30 – 20:30 GOLDEN EARRING
21:00 – não sei UB40

Cheguei a Maastricht às 13h15m, correria absoluta, feriado nacional, área turística sem lugar para parar o carro, busca de hotel, descarreguei carro, esvaziei malas, banho, às 16h15m (15 minutos antes do horário do show do FISH) saí do Hotel. Trajeto de praxe: 25km de estrada, algumas rodadas dentro da cidadezica vizinha Landgraaf onde era o open-air, informações em holandês, estacionamento “Pers & Gast”, exibição do mail com o convite (“you have been included in the Golden Earring guest list”), parei o carro no estacionamento de gasts, mostrei de novo o mail... e pimba, pulserinha vip! Cinco e dez da tarde, entro em uma IMENSA área gramada cercada por tendas, barracas de comida e bebida, arquibancadas em estrutura metálica, feirão de CDs, DVDs, camisetas e todo tipo de rock and roll related materials, stands de official merchandising, um delicioso sol de primavera européia (é segunda-feira mas é alguma espécie de feriado nacional) e no palco FISH & Banda executando “Clutching at Straws” com guitarras distorcidas...

... e tive que cair no choro! Novamente chamando a atenção de todos com aquela camisa amarela (lavada às 3hs da manhã), mas era emoção demais, evento superb, MARILLION alive e meu último show do EARRING, too much for my peaceful heart. Peguei os 20 minutos finais de Derek Dick, ele ainda tocou:
- Clutching the Straws
- Faith Healer
- Incommunicado
- The Last Straw
De barba branca e ficando careca, Fish cada vez mais se parece com Peter Gabriel. Entre uma e outra música, o Peixe falou: - “It is sooo good to be here in Holland, with all these drugs, alcohol, sex and rock’n’roll !...”

Caguei para o show seguinte (Manfred Man, que tocou até um trecho de Smoke on the Water) e fiquei passeando pelo local do mega-evento. Descobri em um stand um disco de George Kooymans “Solo”, que depois Hans Muyson disse com olhos arregalados tratar-se de verdadeira raridade (e o próprio Kooymans, quando lhe mostrei o disco, riu e comentou sobre a capa:
- “Motorcycle Boy!... “).

Mais adiante em outra barraca encontrei e comprei DEZ Golden Earring remasterizados.

Os mictórios eram estranhíssimos, “quadrifacetados”, ao ar livre e misturados com os banheiros químicos femininos.

Showtime às 19h35m. Curioso como tem gente de todas as idades em todos os eventos na Holanda, não tem aquela coisa de “gueto” de idades que temos no Terceiro Mundo. Talvez esta seja uma das razões de serem tão mais cultos: desde cedo vão absorvendo os bons valores dos mais experientes, ao invés de começarem do zero como fazem nossos adolescentes. Na platéia, no gramado, nas arquibancadas, tinha gente não somente de todas as idades como também de todas as formas físicas, todas as roupas e todos os estados de percepção possíveis. Um festival é uma festa, e os holandeses são muito festivos!

3 gigs com o guitarrista que não erra. Para mim, em matéria de shows o ano de 2008 já acabou.

Foi uma versão compacta dos 2 shows anteriores, 10 músicas ao invés da 17 habituais e 70 minutos ao invés dos 125 de praxe. Durante a 4a música (“When the Lady Smiles”) o vocalista atravessou, teve que sustentar, a banda pulou alguns acordes, corrigiu e se acertou. Na seguinte (“Fighting Windmills”), novo erro! A partir daí eu cismei, e em “Long Blond Animal” achei que a banda estava confusa. Talvez fosse a sonorização, pois por outro lado achei que “Radar Love” teve sua melhor versão de todos os tempos, e “She Flies on Strange Wings” comprovou que é O riff. Chorei muito durante o show, estava me despedindo da banda. E o fecho dos 3 dias, “holy holy life, sometimes is lonely, sometimes is sad, but sooner or later they will find you dead”.

Fim de show, saí andando e por sorte encontrei a esposa de Sjaak que ia para o backstage. Minha pulseira era só de “gast”, e não “full access”, mas fui seguindo com ela... e entrei!, atravessei a lateral do palco e fui para o círculo de trailers das bandas no gramado atrás do enorme palco. A esta altura eu já conhecia todo mundo. Conversei com a esposa de George (irmã de Rinus), o motorista (está na foto abraçado com ela; em outra foto Mr. John O’Hello), os membros da banda (“here you are again!”) e até esnobei o FISH que estava sentado na grama a uns 10 metros de distância, bebendo com sua banda. Conheci a filha de Rinus, o filho de George e mais um monte de relatives. A filha de Rinus iria assistir ao show do UB40, de forma que ele iria ficar por ali. Acabei conversando com o cabra por mais quase 1 hora!

Quando saí do show – lembre-se que em alguns momentos achei a banda perdida – fiquei imaginando o que dizer quando me perguntassem sobre a gig. E decidi que falaria sobre Radar Love, pois tinha adorado a versão. E assim foi. Tão logo cheguei aos camarins encontrei Barry Hay, que foi logo perguntando:
- “What about the show?”
- “Best version of Radar Love I ever heard!”
A resposta dele se tornou um lema para mim:
- “If you say so, than it is so!”

SEGUNDA CONVERSA COM RINUS GERRITSEN

R – So what about the gig?

M – Best version of Radar Love I ever heard!

R – That means the others were not so good…

(Este Rinus é uma puta velha!…)

Conversamos – ou melhor, ele falou – longamente sobre futebol.

M – Do you support any team?

R – I like good football. In the past, Ajax (aiax) and Feynoord had good squads, but now they are just average.

Não vou reproduzir tudo aqui. Falou com entusiasmo sobre um goleiro brasileiro Gomes, segundo ele um espanto, não consegue entender como não é convocado para a seleção brasileira. Disse que todos os times holandeses têm 2 ou 3 jogadores brasileiros, garotos novos que usam a Holanda como “escada” para acessar o mercado europeu. Falou sobre crianças jogarem bola na rua no Brasil, o que ajuda a despertar o futebolista, e que não acontece na NL.

(Posteriormente Gloug me disse que eu deveria ter dado a ele a camisa da seleção brasileira durante esta conversa. É verdade, não me ocorreu no momento, verdadeiro insensível).

Mostrei os discos “remasterizados” que tinha comprado e perguntei se a banda de alguma forma participa do processo de remaster. Ele manipulou os discos com desprezo.

R – This is old stuff, from the time of Red Bullet Records. They are trying to make new money from worn things. (Obs – não tenho certeza se “worn” foi o termo utilizado).

Rinus definitivamente não gosta de olhar para trás. Glauco encomendara uma pergunta para George Kooymans: - “Have you ever played ‘The Lonesome D.J.’ alive?”; Kooymans respondeu que pouquíssimas vezes, mas que esta é uma excelente música para os acústicos, e que ia pensar em incluí-la em um próximo “Naked”. Portanto, se pintar um Lonesome D.J. acústico, devemos a Glauco Guedes. Fiz a mesma pergunta a Gerritsen. ‘The Lonesome D.J.’ é de SWITCH, álbum de 74, e portanto a resposta não me surpreendeu:

R – We sometimes put songs on albuns and when we play them alive they don’t work. I do not know if this is the case of this song – in fact, I don’t have the slightest idea of what song you’re talking about!

M – Do you ever listen to old albums?

R – Never.

M – Even if it’s only to remember the songs, maybe one could be included in a tour…

R – Never. I also do not see the videos. I do what I feel at the moment, it is pure improvisation, not rehearsed. I enter into a trance during my solo, and afterwards I don’t want to see myself lying on the ground, rolling on the ground with the bass, or licking it. That’s me?!? No! That’s not me!

Ele me apontou a família, o irmão empresário, a irmã que é esposa de George. Eu já estava íntimo o suficiente para dar uma sacaneada:

M – In Australia I saw a shirt written: ‘Don’t Yoko my band!’

R – (rindo) Have you ever seen the movie ‘Spinal Tap’? You got to see it, it shows everything that happens to a rock band, everything! When you have success, when you fall, the influence of relatives, the clichés, “let’s go to Japan”, the guitar player surrounded by new guitars still factory sealed, the expectation of releasing a new record and only 3 fans showing up for the autographs, it’s very funny! You keep imagining who wrote it, because it’s everything there!

As últimas palavras que Rinus me disse foram as mais marcantes:

R – Sometimes in a gig nothing works out well. Yesterday (AJOC Festival, De Ronde Venne) nothing was good: I had problems with equipment, sound failed, you go out home thinking ‘I don’t wanna do this anymore’. But in the following day there is a good show – I think today was very good (curiosamente eu tinha achado este 3o. show o menos bom) and then it is OK. And then we have someone like you coming all the way from Brazil only to see us, and that makes us think: we’re doing it well, it is worth, that’s what we play for. Thank you for coming, those things are good for us, are very important, make us want to continue.

Eu tinha pensado em terminar este relato dizendo “se você tem dúvidas se os deuses existem, eu sou testemunha que sim. Convivi com eles durante 3 dias”; mas nem isto Rinus Gerritsen deixou de pé:

R – You have lived with us for three days, have seen our lives, have seen our families. You have seen we are only common people.

Não Rinus, vocês não são pessoas comuns; são deuses que levam a vida de pessoas comuns.

Voltei para casa dirigindo muito devagar, curtindo a enormidade disto tudo; de ter George Kooymans me falando: - “See you next time!”.

Holy holy life.

Nota – setlist GOLDEN EARRING at PINK POP CLASSIC:
1 – TWILIGHT
2 – 45 MILES
3 – LEATHER
4 – LADY SMILES
5 – FIGHTIN’ WIND
6 – LONG BLOND
7 – GOIN’ FOR THE RUN (different intro)
SOLO BAIXO
8 – RADAR (best version ever)
ENCORE
9 – SHE FLIES (riff espetacular)
10 – HOLY LIFE

(mai/2008 – jan/2010)

Iggy and the Stooges e Nine Inch Nails: Festival Claro Que É Rock, Morumbi, 26/nov/05

Ainda resta uma esperança.

Quando ando pelos Shoppings, olhando vitrines e as modas que desfilam, me pego pensando que o que mais me faz falta no passado... é o Bom Gosto. Quanta saudade do Bom Gosto! Hoje, pitéus maravilhosos desfilam orgulhosas dentro de modelitos que só fazem revelar o imenso vazio de bom gosto que existe dentro de seus deliciosos corpitos e vazias cabecitas.

Mas... o one-day-open-air-festival Claro Que É Rock, em 26 de novembro de 2005 na longínqua Chácara do Jockey, um descampado além-Shopping Butantã, veio para me mostrar que AINDA RESTA UMA ESPERANÇA!

Eu me programara para assistir a boa parte dos shows – do comentado Cachorro Grande às 16h40m até o final do Nine Inch Nails às 03h30m da matina, passando por Moptop, Good Charlotte, Fantomas (de Mike Patton, que à última hora substituiu o Suicidal Tendencies) e Sonic Youth. Mas dizem que a vida se dá em ciclos de 7 anos, e o oitavo ciclo que iniciei há pouco mais de 5 meses vem demonstrando ser o ciclo da fragilidade orgânica – e uma violenta primeira sinusite de minha vida desandou em uma violenta primeira dor de dente de minha vida, e acabei focando apenas no supra sumo do evento: IGGY AND THE STOOGES, programados para as 23h15, e NINE INCH NAILS, que não conhecia porém prometia tudo, para as 01h55m.

O sempre presente e recém-solteiro Fabio Star colocou o carro à disposição, e seguimos por volta de 21hs. Fomos com casacos pesados, o que se revelou sapientíssima decisão apesar de estarmos quase no verão. Mas é São Paulo.

A chegada a um one-day-open-air-rock-festival é sempre aquela eletricidade no ar, ambiente cheio de energia e as melhores vibrações que este Planeta pode produzir. Logo na entrada vi ao longe Solange BF de casaco vermelho e maridão a tiracolo, ainda mais bela os 41 anos do que era aos 18. Aliás, 1964 foi um ano pródigo na produção de belas Mulheres.

Quem quiser ver Mulheres Maravilhosas e seus Decotes Voadores deve ir a um show de Rock, preferencialmente pesado. Roupas, pinturas, ousadias, nada é demais, tudo é belo e erótico e excitante e clima-de-rock. A eletricidade é livre, com a colaboração de todos, principalmente das Deusas – e nesta hora são todas Deusas-Cachorras-Tchutchucas-Popozudas-Preparadas. Deus, sem dúvida, é Homem...

Dois palcos gigantescos nas extremidades do imenso gramado, lembrando muito a Cidade do Rock no Rio. E uma surpresa na chegada: os shows estavam no horário! A alternância de shows e palcos permite que um palco seja preparado enquanto um show rola no outro lado, e assim chegamos no início do esquisito Flaming Lips, com o palco completamente tomado por gente vestida de bichinhos, sapos, sol, papai noel, pato, porco espinho, trocentas figuras nada-a-ver, o que fazia com que a música ficasse nada-a-ver. Assistimos a uma versão de "Bohemian Rapsodhy" com letra no telão (como se alguém não soubesse) que fez todo mundo a cantar junto. Saímos do tumulto rumo aos fétidos banheiros químicos e em seguida já fomos tomar lugar junto ao Palco A, para a performance de Iggy Stooge. Sábia decisão: faltavam uns 20 minutos para o término do show do Flaming Lips, e foi possível pegar uma ótima posição a uns 50 metros do palco.

IGGY

A primeira surpresa foi a bestial quantidade de fotógrafos na gigantesca boca de palco: sem exgero, eram mais de 100. Uma massa humana aguardando o cantor e a banda que o ultra precursor Gloug Guedes me fazia ouvir em 1970, quando tinha 12 anos e eu 14. Inacreditável: os discos dos Stooges devem ter vendido umas mil cópias na época (no mundo todo!), e Gloug, O Homem À Frente De Seu Tempo, foi um dos que comprou e me fazia ouvir aquele esporro através das paredes.

A banda se posta no palco; na lateral, Iggy pula frenético, parado em um mesmo lugar, parecendo um injetado lutador de boxe se aquecendo eufórico antes de uma final de pesos pesados, babando, espumando, pedindo, exigindo e implorando que a banda começasse o massacre. E veio “Loose”, e a partir daqui vai ser difícil manter a racionalidade e a compostura nesta narrativa.

Você pode imaginar a gesticulação do Iguana com o microfone com fio enquanto urrava: “I stick it deep inside, you know I stick it deep inside... ‘cos I’m LOOSE!”. Ninguém sabia o que fazer: a platéia pulava ensandecida, a centena de fotógrafos corria para um lado e para outro tentando acompanhar o demente, a porra da Claro encheu a boca de palco com aqueles imensos e completamente irritantes balões de propaganda que a massa ficava jogando de um lado para outro – isto me lembrou um show da Legião em Recife em 1986, quando durante a execução de “Geração Coca-Cola” a Pepsi jogou estas mesmas porras de giga-balões na platéia, a diferença é que Renato Russo ficou transtornado e começou a urrar: -“DESTRÓÓÓIII!!! DESTRÓÓÓIII!!!” e a platéia não se fez de rogada, e não esperou um instante e rasgou, destruiu, arrebentou completamente e instantaneamente as porras dos giga-balões de propaganda, foi muito lindo.

Iggy continuava stickin’ it deep inside, sem camisa e com a calça caindo cada vez mais, no final estava com a bunda completamente de fora, rebolando sem parar mesmo depois da música acabar, achei que fosse mostrar o pau, me lembrou uma capa de um jornal inglês de música que comprei em minha very first visit to São Paulo circa 1978, com Ronnie Garcia e Gloug, viemos atrás de artigos de Rock na loja Freedom na Alameda Lorena – na época o Rock ainda apenas balbuciava em Terra Brasilis, e tínhamos que vir a Sampa para comprar uma reles linguinha dos Stones de pendurar no pescoço – e encontramos um jornal cuja capa era um nu frontal de Iggy, inacreditável, calça quase no joelho mostrando uma portentosa jeba volumosa, não é à toa que ele gosta de se exibir.

Prossegue o show com ensadecidas versões de Down On The Street, 1969, TV Eye, todas as músicas dos dois discos “The Stooges” e “Fun House”. Versões modernas e poderosíssimas, Iggy anunciara em entrevista que eles só sabem tocar estas 16 músicas, "então vocês não vão ter muita opção"... e nem precisava. Veio aí a maior surpresa, que me fez ver que ainda resta uma esperança: quando cantou “I Wanna Be Your Dog” a massa INTEIRA berrava, urrava, pulava e se esgoelava sabendo TODA a letra de cor!!! Eu FILMEI isto, tenho a prova! Era impossível acreditar: aquele disco que só vendeu mil cópias no Mundo todo em 1970, que eu ouvia através das paredes tocado por um irmão de 12 anos... e agora todo mundo cantando, no Brasil??? Juro que até agora ainda não consegui entender ou acreditar, não tivesse eu filmado quase o show inteiro pensaria que era efeito do febrão que me queimava (e só o febrão...).

Não pude resistir e telefonei para o Brother Gloug, tentando convencê-lo a ir ver o show no dia seguinte na Cidade do Rock no Rio na madruga de Domingo para Segunda, mico total, é na PQP. Ouvindo a balbúrdia ao fundo, Glauco definiu Iggy: -“É um Demente a Deus...”.

Durante a execução de “No Fun”, o apocalipse. Iggy pulava na platéia enlouquecida, chamava todo mundo para subir no palco, e começou a invasão. Os seguranças não sabiam o que fazer, os invasores arrancavam o microfone com fio de Iggy e urravam “No Fun!” e devolviam o microfone e se voltavam para a platéia e abriam os braços em uma exultação de vitória e alegria; chegamos a ter um duelo de guitarras onde um membro da platéia tocando air guitar (ou seja, guitarra invisível) DUELAVA com Ron Asheton, que respondia e correspondia! O bolo de gente ficou indo e vindo para cá e para lá na boca de palco ao longo de toda a música, balbúrdia descontrolada, platéia hipnotizada, rock de primeiríssima qualidade, emocionante, ainda resta uma esperança.

Por diversas vezes ao longo do show o Stooge chutou as câmeras que o espionavam de baixo para cima, ele estava andando e de repente pimba! um bico na câmera, e o cameraman fugia assustado em busca de algum outro lugar, como um cachorro que levou um bico de bicho furioso, um Iguana insano.

Final do show, palco apagado, era hora do Sonic Youth no Palco B, mas Iggy voltou e começou a urrar no palco deserto: -“I don’t give a fuck if you are the Government, if you’re fuckin’ MTV, turn on the lights! TURN ON THE LIGHTS, I wanna see the people!”, as luzes se acenderam, a banda voltou, e Iggy emendou um bis absolutamente não protocolar, depois disto foi quase expulso do palco, a banda saiu mas ele continuou lá rebolando, saiu rebolando, os Stooges são muitíssimo bons – ou ficaram bons – mas sem dúvida são a banda de apoio de um showman único, legítimo, hilário, demente a deus.

Demos uma olhada no Sonic Youth mas optamos por encarar um rango, e pegamos uma das monstruosas filas, cheias de gatas maravilhosas de todos os tipos, platéia completamente eclética com todos os modelitos de roupas e tribos, um happening ecumênico. Finalmente, após uns vinte minutos cheguei na frente da fila e pedi um tão desejado pedaço de pizza, ao que ouvi “aqui só vende cheeseburgersalada, pizza é lá do outro lado”, fiquei puto (comigo mesmo) mas encarei o delicioso cheeseburgersalada e um tonel de Coca. E voltei ao mesmo Palco A para esperar o Nine Inch Nails.

Eu nunca ouvira o NIN, mas além de ótimas referências da galera semi-rocker da Credicard (“é tudo de bom!”) era ainda o show de encerramento da noite, o que só podia significar algo no mínimo promissor. Pegamos um ótimo lugar, e a esta altura o assédio feminino já perdia o pudor, vejam vocês, até um doente grisalho é peixe (por falar em Peixe, saudações Romário Artilheiro do Brasileirão), mas não era para isto que eu estava lá, aliás nunca é. O Show do Sonic Youth não acabava nunca, talvez bom, porém do tipo viajandão, interminável, a platéia já aglomerada no outro palco para o Nine Inch... e dá-lhe zumbido de guitarra distorcida, deve até ser legal, mas ali tudo o que a galera pedia é o mesmo que o Dinho suplica no final de “Uma Arlinda Mulher” no delicioso disco dos Mamonas: “pelo amor de deus, PAREM COM ESTA PORRA!!!”

NINE INCH NAILS

Na montagem, o palco já mostrava o que seria, e a abertura nada deixou a desejar. Uma estonteante tempestade de luzes, cascatas estroboscópicas, fumaceira (na platéia também), spots, postes de luz piscante multicolorida, massa sonora, o famoso rock industrial, pesado, massacrante, fulminante, eficiente, empolgante, brilhante, não deixando pedra sobre pedra. Me lembrou o magistral (aqui eu vou ser espinafrado) show do Pet Shop Boys no TIM Festival em 2004 no Jockey em SP thanks to GustaFer, também um massacre sonoro de raríssimo e estupefaciante bom gosto visual. Músicos e músicas perfeitos (em ambos os casos), a platéia delirava com o NIN, filmei bastante pois não tinha confiança de que minha memória pudesse me dar a certeza da coisa ter sido realmente tão boa. Pois foi. Não consigo entender como alguém que já conhecesse o Nine Inch Nails, e achasse “tudo de bom”, possa ter deixado de ir a um espetáculo magistral destes (sim, isto é uma chamada). É disto que vamos nos lembrar aos 80 anos de idade, em minha opinião é na Música que o Ser Humano mais se aproxima do Divino. É disto que mais vou sentir falta quando finalmente deixar para trás este corpito decadente e decrépito: da Música, do Rock. And Roll.


PS - PEARL JAM no PACAEMBÚ em 02/DEZ

Lotação adequada, acessos adequados, público eufórico, puta show. O curioso é que no fundo se trata de uma banda de garagem, como todas estas coisas de Seattle, e não consigo entender tamanho frisson. Mas aqui o organismo não resistiu, pois já eram quinze dias escarrando carnegões esverdeados, e debaixo de chuva gelada e com convulsões e calafrios de febre tive que ir embora no meio do show, graças à imensa compreensão da adorável Ane (que é muito fã da banda). O principal registro é que a venda de cerveja estava proibida, mas o canhamo liberado. Assim, qualquer que seja o seu barato, vá abastecido para seu próximo show...

Seqüência para os próximos dias: Marcelo Nova na quinta-feira, Skank na 6ª (festa do trabalho), Dream Theater no sábado, Dream Theater novamente no domingo, Titãs na segunda (outra festa de trabalho). Na terça devo estar cuspindo sangue. Mas não tenho alternativa: Always Rocker...

(dez/2005)