POP MUSIC FESTIVAL
Estádio do Morumbi, SP
19/mar/2011
Tinha tudo para ser uma enorme roubada.
Primeiro anunciaram que SHAKIRA excursionaria o Brasil ao lado de... Ivete Sangalo.
Depois soube-se que era um Festival Pop, com uma Banda brasileira, uma californiana, então Ziggy Marley e enfim a colombiana, seguida por Fatboy Slim que encerraria a noite.
Pensei em não ir. Afinal, “She Wolf”, o disco anterior de Isabel Mebarak, é fraquinho – e, pior do que isto, apontava uma direção musical bastante difícil de digerir.
Quando finalmente decidi ir, a menos de uma semana do evento, a fila para adquirir ingressos já dava uma idéia do que iria encontrar: uma proporção de 10 Mulheres para cada Homem (ou quase).
O sábado amanheceu chuvoso, como já vinha ocorrendo ao longo de toda a semana. Portões abrindo às 15, primeiro opening act às 17hs, Shakira programada para 20h30m. Madame & eu chegamos às 18h30m: pouquíssimo trânsito à volta do Estádio, fila de 20-30 minutos debaixo de garoa forte, e às 19hs pisávamos no gramado. Em um rasgo de monumental estupidez (coisa cada vez mais comum) o Palco foi colocado junto às entradas da Pista, ou seja: você entrava por trás do Palco e era despejado diretamente na região mais muvucada da Pista. Isto após contornar a imensa Área VIP, é claro.
Pegamos o início do show de Ziggy, a galera mandando forte na ganga. Contornamos a Pista e conseguimos lugar bem à frente, quase junto à cerca que isolava a galera dos R$200 da galera dos R$500. Apertado porém aceitável. Embora a Mulherada não fosse tão alta, os marmanjos encostados na grade o eram, atrapalhando a vista de muita gente. Uma grande quantidade de pessoas hablando castellano. Os espertos de sempre tentavam chegar à frente, forçando a passagem após hipócritas “com licença”. Ziggy fez a festa cantando as músicas de seu Pai (Bob Pai, Ziggy Filho).
Chove e pára, chove e pára, quase todo mundo de capucha – grande invenção! Palco arrumado, e às 20h43m começam a piscar estroboscopicamente as luzes roxas e negras ao som de um playback electro-techno. Todos os músicos no Palco se remexem, sacodem, meio que dançam. Tal intro dura cerca de 6 minutos, e de vez em quando alguns grupos de fãs urram histericamente julgando ter visto Shakira no stage, pobres manés, imaginar que ela entraria de forma anônima no show. Uma longa e larga passarela à frente do Palco que atravessa a Área VIP não pára de ser escovada devido à garoa intensa.
Shakira surge mas não é possível vê-la, a não ser nos telões. Ela vem caminhando pelo chão e atravessa a massa junto à passarela: canta “Pienso em Ti” e está vestida com um imenso panô rosa choque, modelito capa do último disco “Sale El Sol”. Ela já usou indumentária semelhante (estilo “freira-over”) na excursão “Oral Fixation”, só que a roupa era vermelha. Pelo jeito ela não aprendeu: era pavo-rojo antes, estava pavo-rosa agora. A música parece uma liturgia sacra, lenta, quase fúnebre, quase uma oração. Me remete a Madonna, que por sua vez na excursão Sticky & Sweet em dez/08 me remeteu à própria Shakira... Enfim, um começo catastrófico, ainda mais por estar um tremendo aperto na Pista e não se conseguir ver quase nada. Shakira sobe à passarela, e parecendo uma alma penada cor-de-rosa arrasta seu lamento lúgubre até o Palco.
Ela arranca a enorme capa e está de legging de couro preto e top metálico, e começa a dançar e a estremecer o Morumbi. É elétrica e iluminada, irradiante e carismática. Mas o som está péssimo, abafado e sem guitarra, e não há espaço para nos movimentarmos. Após 2 ou 3 músicas optamos por nos afastarmos do Palco, o que se revela uma magnífica decisão: um pouco mais distanciados encontramos mais espaço e uma platéia relaxada, com todo mundo dançando, bebendo, curtindo. O som vai melhorando, e agora a Banda se postou no meio da passarela e começa um longo set gitano-acústico. A primeira música deste set é “Nothing Else Matters” do Metallica, mas cover por cover eu pessoalmente preferi a pesada “Back in Black” do AC/DC na excursão anterior. Segue-se “Gipsy”, o que confirma o que eu tinha lido: as músicas que têm versões em espanhol e inglês serão executadas em inglês, pois foi a forma como fizeram sucesso no Brasil. Que pobreza, que vergonha, que submissão: poderíamos ter “Suerte” porém teremos “Whenever, Wherever”, e também será “She Wolf” ao invés de “Loba”, “Gipsy” em vez de “Gitana”, etc.
De repente um momento de estarrecimento que muda definitivamente meus sentimentos a respeito do show: no meio da longa sessão acústica, Shakira está deitada no chão da passarela vestida com enorme sua saia de cigana de babados. Está imóvel, e estremece o corpo a cada batida da percussão. Ela está de barriga para cima, e a cada pancada da bateria verga um pouco mais os joelhos, aproximando os pés dos quadris até que quando as pernas estão totalmente dobradas, com os calcanhares encostando no traseiro, na batida seguinte ela subitamente se arremessa para o alto, é catapultada exclusivamente pela força de pernas, costas e principalmente abdômen, e em um único movimento felino está repentinamente de pé. Eu não acredito, grito - “O que é isto?!?!”, o que é isto, nunca vi nada semelhante. A partir daí fico embasbacado, sou dominado pelo espetáculo, sou dominado pela performance, pelo carisma, pela musicalidade, dança, domínio, cores, pelo rhythm of the heat.
São 10 ou 12 músicos no Palco, com destaque para os escudeiros de sempre. Sempre que sei que Shakira está em excursão vou logo verificar se a formação básica da Banda foi mantida: Tim Mitchell, arranjador, Maestro e guitarrista; Albert Menendez, teclados (e que graças ao visual cada vez mais rasta canta atualmente os duetos como “Hips Don’t Lie”, ”La Tortura” e “Gordita”); e o fenomenal baterista Brendan Buckley.
Mas Shakira não pára de dar mole e fazer beicinho para Greco Buratto, um guitarrista brasileiro que aparentemente é carne nova no pedaço.
A platéia não pára de pedir “Estoy Aqui”, e à nossa volta um grupo de gays solta a franga em um intervalo, cantando em coro aquele primeiro hit em um momento muito hilariante.
A louraça belzebu toma conta de toda a boca de Palco, ocupa tudo, não pára, ocupa a passarela, as telas. É autora de todas as músicas, uma usina de hits inevitavelmente contagiantes. “Las de La Intuición” – uma de minhas all-time favorites – é uma inesperada surpresa, em versão elétrica electro-dançante, com luzes sincronizadas e ritmo irresistível. Em determinado momento ela encara a câmera, põe as mãos no corpete metálico, começa a forçá-lo... e o ARRANCA, para absoluto delírio de 60 mil pessoas. Está com um soutien cor da pele por baixo, e domina completamente a platéia como uma fera solta em um enorme Palco.
Era a noite da maior Lua Cheia do ano, e os efeitos visuais de “Sale El Sol” foram belíssimos. Mas a chuva intermitente fez com que somente tenha sido possível ver a Lua por pouquíssimas vezes, além de cortar do programa uma das músicas que eu mais esperava: “Gordita” (“Shaki tú estás bien bonita / aunque también me gustabas cuando estabas más gordita / con la cara redondita”).
A seqüência final é devastadora: vestida com calça tigresa verde e top verde (acho que nunca vi um show com alguém vestido de verde) ataca “Loba”, ou melhor (ou pior), “She Wolf”. Toda o Morumbi uiva: - “Ahú-ú”! Segue-se “Loca”, do último disco: sinceramente acredito que não exista NENHUMA Mulher que não goste de “Loca” (“I’m crazy but you like it / loca, loca, loca!”), é impossível! Uma longa introdução de violino executado por uma gostosa (onde foi parar aquela cigana que fazia parte da Banda?) e segue-se uma inesperada (para mim) “Ojos Asi”, esta sim executada em espanhol, pois fez sucesso primeiramente neste habla. Toda uma estrofe da música é suprimida, mas provavelmente sou o único que nota pois o que se segue é a sessão de Dança do Ventre. Já estamos no bis e evidentemente vem “Hips Don’t Lie”, o “single” mais vendido no Século XXI até o momento.
A chuva vai e volta, mas não atrapalha: e ela dança e se contorce na passarela, descoberta, molhada, entregue, elétrica, frenética, incansável. Embora tenham sido cortadas mais 2 músicas (“Underneath Your Clothes” e “Antes de Las Seis”), ainda assim o espetáculo dura até 22h26m, ou seja, 103 minutos ao todo.
Um vídeo com depoimentos de crianças e adultos africanos (“eu quero ser engenheiro”, “quero ser jogador de futebol”, “quero ser policial”, “quero ser músico”) introduz a última música da festa: “Waka Waka (This Time For Africa)”. Estou completamente emocionado, e felizmente estava chovendo: assim ninguém poderá dizer que eram lágrimas o que me encharcava o rosto no final deste brilhante espetáculo de Música, dança, dedicação, envolvimento, entrega.
Arte.
fotos: pavo-rosa na rampa de acesso / legging na passarela / o corpete que foi arrancado (c/ Tim Mitchell) / muitas moles para o guitarrista brasileño.
(mar/2011)