Em fevereiro de 1971 meus Pais se mudaram para Ipanema, e aos 14 anos de
Do Edifício Igarapu tenho algumas recordações preciosas:
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os jogos de futebol diários na quadra do playground. Jogávamos por horas, a tarde
inteira, e eu jamais me cansava. Vestia uniforme completo do Vasco da Gama para
jogar e para andar – ou melhor, correr – pelas ruas das redondezas. Fazia
muitos gols, sempre fui muito objetivo. Nunca fui muito de comemorar os gols;
obrigação cumprida, vamos para a próxima;
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andar
por sobre (e pular) os muros das vizinhanças, seja para apanhar bolas zunidas,
seja porque foi então que entendi que na próxima encarnação serei um Gato: para
andar pelos telhados, para namorar as Gatas à noite, para ser completamente Livre;
·
o
micro-apartamento que minha Família possuía, no 11º andar de um prédio de 10
andares. Lá tínhamos uma varanda, um banheiro, e uma grande sala / quarto. Era
o quarto de bagunça da Família (meus Avós também moravam no prédio) e o
principal ativo deste sótão eram os Livros. Cheirava a papel, a livros, milhares
de livros, tínhamos estantes e uma enorme poltrona, lá eu passava tardes e mais tardes
alimentando meu isolamento do Mundo e viajando para bem distante em leituras
mágicas. Lá eram também estocadas minhas revistas em quadrinhos – coleções
completas de Batman, Super-Homem, Thor, Tintin, Spirit, Luluzinha, Mônica,
livretos da coleção ZZ7 de Lou Carrigan com a superespiã Brigitte Montfort
(capas do genial Benício), e muito muito mais. Neste sótão me perdi para a leitura;
lá fui enfeitiçado por Monteiro Lobato, Júlio Verne, Agatha Christie e Isaac
Asimov, os 4 Profetas de minha existência.
·
o
mas impressionante é que eu descia as escadas de nosso 3º andar até o Térreo
sem usar os pés! Somente usando as mãos, me agarrando nos corrimãos e descendo
em círculos acelerados pelas forças da Gravidade e Centrípeta, e descia andar
após andar em um vôo ininterrupto e espetacular. De vez em quando ainda sonho
com estas descidas, e me maravilho em como eu era hábil; um verdadeiro artista
de Circo.
E então, Ipanema. Sou suspeito para falar de Ipanema, por muitos
anos tive dúvidas (já esclarecidas) se o Centro do Mundo seria Ipanema ou se era o meu umbigo. Sou suspeito também
para falar sobre Copacabana: a considero o melhor lugar deste 4º Mundo para quem
se aposenta morar e viver.
Na Rua Visconde de Pirajá em Ipanema havia a mítica
Sorveteria do Morais, sempre cheia, sempre deliciosa, quase sagrada; ir lá era
um ritual quase religioso.
Mas o que mais me impressionava era a loja ao lado do
Morais: pelo que me lembro (eu tinha 14 anos) tinha a diversidade de um brechó,
inacessível para a compreensão de um garoto que corria pelas ruas de uniforme
do Vasco. Mas além das vitrines de roupas e acessórios fascinantes, o que me
cativava principalmente era o nome da loja:
AH, SE EU PUDESSE ARFAR NOS BRAÇOS ARGENTINOS DE
ANGELITA...
Que nome intrigante! Eu o achava diferente e genial, e
comecei a pensar (seguindo esta linha de falta de compromisso com o
formal-habitual) em qual nome eu poderia dar a uma loja, preparando-me para a
eventualidade de algum dia vir a ter uma. E em pouco tempo eu já tinha o
nome:
UM PANDA EM SATURNO
“Um Panda Em Saturno” existe portanto – ao menos em
minha cabeça – desde 1971; há 45 anos; desde que eu tenho 14 anos.
Naquele começo seria uma Loja. Em 2009 se tornou este espaço onde escancaro
uma pequena parte de minhas Perplexidades Cotidianas. Uma ponte entre a ética que
imagino e a barbárie que vejo, e com a qual convivo.
O refúgio de um animal em extinção em um Planeta
esquisito.
(fev/1971 – jan/2016)