Quando era Criança (ainda sou, mas na época o era
oficialmente) fui certa vez submetido a uma Injustiça tão colossal e dolorosa
que minha reação foi quebrar um Caminhão de brinquedo que eu adorava.
Fiquei impressionado com aquele gesto, que prejudicava somente
a mim mesmo. E passei a analisá-lo como um Adulto (que eu já era, apenas ainda não
oficialmente): o que teria me levado a um gesto que só feria a mim, quebrando
uma coisa que eu tanto gostava?
Cheguei à conclusão – e esta especulação é estritamente
pessoal, como de resto tudo o que coloco neste Espaço – que a Dor era tão
grande que eu me sentia compelido a espargí-la, para minimizá-la; distrair a
atenção com uma outra dor.
Talvez seja por isto que quando em Dor as Pessoas mordem
os lábios, ou se beliscam, ou se auto-infligem outros flagelos: para desviar a própria
atenção.
E até hoje, quando sou Criança que se finge de Adulto, ou
Adulto que se sabe Criança, continuo observando tal comportamento em mim e em Outros.
Acabar um Relacionamento quando estamos deprimidos por um outro motivo. Deixar
de ir a lugares que gostaríamos, por estarmos magoados. Desfazermo-nos de
coisas que gostamos.
Só nós sofremos.
Só nós entendemos.
Dor espalhada incomoda menos do que Dor pontual.
(Ipanema, 20200224)