Todo ano é a mesma coisa.
Com a chegada do Dia das Bruxas, alguns bem-intencionados interessados em resguardar o interesse nacional e preservar os brios patrióticos propõem transformar a data em um “Dia do Saci”.
É uma proposta que não tem um mínimo de criatividade. Pegar uma data que já existe, comemorando uma entidade esotérica, e a transformar na mesma data celebrando uma outra entidade esotérica – apenas sendo esta “brasileira”. Uma tradução, uma aculturação, uma adaptação – algo tão criativo quanto uma versão cover em português de uma música originalmente em inglês.
Um mínimo de inventividade, galera! Para início de conversa, Bruxas existem em todo o Mundo: todas as Mulheres são Bruxas! E a referência aqui não é às maldades, mas à capacidade de seduzir, envolver, enfeitiçar; o conhecimento do sutil, do indireto, do invisível aos olhos. A qualquer hora, em qualquer casa de qualquer Mulher você encontra sempre uma panela no fogão aceso, mesmo que esquentando somente água – um verdadeiro “caldeirinho”. Esta habilidade feminina para misturar ingredientes no caldeirão é puro sortilégio (falo de cadeira, pois sou um maneta na cozinha)!
Uma das mais interessantes características feiticeiras femininas é a capacidade de conversarem entre si sem que os Homens à volta compreendam. Já presenciei a cena diversas vezes: estou em uma roda feminina de bate-papo, e de repente o assunto fica tão interessante – ou pessoal – que elas continuam conversando e eu de repente não entendo mais nada!!! Compreendo as palavras que estão proferindo, mas não sei o que estão dizendo, todas falando com extrema velocidade e ao mesmo tempo – e se entendendo!
Não, não sejamos silvícolas, não nos valhamos de um orgulho provinciano para cometer o sacrilégio de acabar com o Dia das Bruxas. Concordo plenamente que o Saci merece o seu dia, mas não usurpando o 31 de outubro. Minha proposta é outra: uma vez que o Saci é escorregadio, fugidio, aparece somente de quando em quando, é difícil de se ver... sugiro que seu dia seja o 29 de fevereiro. De vez em quando aparece. De vez em quando é avistado. Mas só de vez em quando.
29 de Fevereiro: o verdadeiro Dia do Saci.
(31/out/2011)
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Ter Filhos e a Segunda Divisão
Uma vez que nunca tive Filhos – e nem planejo tê-los, obrigado – me limitei a passar a vida ouvindo as loas alheias sobre as maravilhas de se ter um ou mais rebentos.
Nunca entendo direito as explicações, mas as pessoas sempre compreendem minha incompreensão alegando que “é algo que só se consegue entender quando se tem aquela coisinha te olhando, sorrindo para você, balbuciando, etc”, etc, etc – a ladainha habitual.
Sempre considerei que aquele/a que tem Filho/a/os/as não tem isenção suficiente para avaliar esta situação – afinal, afirmar que não vale a pena ter Filho/a/os/as seria renegar a própria descendência, e pouquíssimos Pais &/ou Mães seriam capazes de tamanha abstração. Mas tudo bem, nunca fui tolo a ponto de entrar neste debate; isto nunca me incomodou.
A primeira impressão que tive quando meu Time foi rebaixado à Segunda Divisão foi que se tratava do Fim do Mundo. Fiquei triste, chateado, quase deprê. Mas a realidade dos meses seguintes foi bastante diferente: o Campeonato foi para nós um Campeonato tranqüilo, com vitórias seguidas de vitórias, e com jogos às terças e sextas ou sábados, ou seja: quando chegava a rodada da Série A, meu Time já estava com seu dever confortavelmente cumprido, e eu podia curtir com calma os encarniçados embates das demais equipes. Podia curtir o Futebol com prazer, e não com a tensão dos emocionalmente envolvidos. Compartilhando este sentimento, a torcida lotava os estádios em todos os jogos, e fazia muita festa.
Atualmente, quando algum torcedor de um time que nunca foi rebaixado chega para mim e afirma cheio de um orgulho pueril: “O meu time jamais foi rebaixado!”, eu respondo com sinceridade: “Mas não faz a menor diferença!”; mas eles não entendem. Não conseguem alcançar que cair para a Segunda Divisão e voltar faz parte da vida, e não tem o menor problema. Pelo contrário, quem já caiu sabe que tem força para retornar – mas aquele que se equilibra lá em cima fica apavorado sem saber se conseguirá se superar caso algum dia tropece...
Talvez as duas situações gerem o mesmo sentimento: só quem já teve Filho/a/os/as pode dizer que é tranqüilo, que é bom, que não tem problema – da mesma forma que só quem já foi rebaixado pode dizer que é tranqüilo, que é bom, que não tem problema.
Não sei.
E – assim como o Torcedor que não quer ser rebaixado – nunca quero saber.
(out/2011)
Nunca entendo direito as explicações, mas as pessoas sempre compreendem minha incompreensão alegando que “é algo que só se consegue entender quando se tem aquela coisinha te olhando, sorrindo para você, balbuciando, etc”, etc, etc – a ladainha habitual.
Sempre considerei que aquele/a que tem Filho/a/os/as não tem isenção suficiente para avaliar esta situação – afinal, afirmar que não vale a pena ter Filho/a/os/as seria renegar a própria descendência, e pouquíssimos Pais &/ou Mães seriam capazes de tamanha abstração. Mas tudo bem, nunca fui tolo a ponto de entrar neste debate; isto nunca me incomodou.
A primeira impressão que tive quando meu Time foi rebaixado à Segunda Divisão foi que se tratava do Fim do Mundo. Fiquei triste, chateado, quase deprê. Mas a realidade dos meses seguintes foi bastante diferente: o Campeonato foi para nós um Campeonato tranqüilo, com vitórias seguidas de vitórias, e com jogos às terças e sextas ou sábados, ou seja: quando chegava a rodada da Série A, meu Time já estava com seu dever confortavelmente cumprido, e eu podia curtir com calma os encarniçados embates das demais equipes. Podia curtir o Futebol com prazer, e não com a tensão dos emocionalmente envolvidos. Compartilhando este sentimento, a torcida lotava os estádios em todos os jogos, e fazia muita festa.
Atualmente, quando algum torcedor de um time que nunca foi rebaixado chega para mim e afirma cheio de um orgulho pueril: “O meu time jamais foi rebaixado!”, eu respondo com sinceridade: “Mas não faz a menor diferença!”; mas eles não entendem. Não conseguem alcançar que cair para a Segunda Divisão e voltar faz parte da vida, e não tem o menor problema. Pelo contrário, quem já caiu sabe que tem força para retornar – mas aquele que se equilibra lá em cima fica apavorado sem saber se conseguirá se superar caso algum dia tropece...
Talvez as duas situações gerem o mesmo sentimento: só quem já teve Filho/a/os/as pode dizer que é tranqüilo, que é bom, que não tem problema – da mesma forma que só quem já foi rebaixado pode dizer que é tranqüilo, que é bom, que não tem problema.
Não sei.
E – assim como o Torcedor que não quer ser rebaixado – nunca quero saber.
(out/2011)
domingo, 9 de outubro de 2011
Pacaembu em transe
Deep Purple e Sepultura
Kaiser Music - Estádio do Pacaembu, São Paulo
20 de setembro de 2003.
Serei eternamente grato pelo precioso empurrão de Mr. Gloug Guedes, que me levou ao open air do Deep Purple no Pacaembu, São Paulo City.
Consegui ingresso privilegiadíssimo, melhor impossível. Estabeleci-me circa 10 metros do palco, naquele lugar que se você chegasse 8 horas antes do show e escolhesse “É este!”... seria ali. O esquema de cadeiras na pista gera este tipo de privilégio. Visão perfeita, e na boca do palco nem estava tão cheio. Bem... até que começou o show do Sepultura...
Terra em transe. Quem nunca viu o Sepultura ao vivo – e a 10 metros de distância em um estádio lotado – não tem dados para dizer que não gosta de Sepultura. É irresistível: tribal, furioso, energia e eletricidade incontidas, ritmo enlouquecedor, guitarras extasiantes, limpas (!). Agumas socialites do camarote da Kaiser atrás de mim tinham pulado a mureta e estavam a meu lado, e descobriam que seus longos cabelos eram iguais aos dos músicos, e que poderiam sacudí-los como eles, e dançar como eles, e se esbaldavam! Imagine a cena: socialites hiper produzidas dançando ao som do Sepultura e sacudindo suas cabeças como legítimas headbangers!...
A massa delirava, e a área VIP Premium onde eu e aquele monte de socialites estávamos foi furiosamente invadida. A partir daí, a situação chegou a ficar perigosa: cadeiras eram arrancadas e arremessadas para cima, ou então empurradas, prendendo as pernas de quem estava ali na frente; as rodas de pogar se formavam com extrema violência, a galera sem camisa se empurrando, chutando e socando puxada pela ferocíssima música, e a pancadaria chegava muito perto (minhas reverências a Mr. Fabio Star, a única pessoa que conheço que já enfrentou um pogar – show dos Raimundos, abertura para Aerosmith, Praça da Apoteose, RJ, no gargarejo – macho paca!).
O Sepultura está em excepcional forma. Andreas captura os desejos da massa e faz com a guitarra exatamente o que se espera dele, ou seja: tudo e mais um pouco. Não houve um único acorde fora do lugar, a altura ensurdecedora era perfeita, o ritmo contagiante, a polícia tentando timida e inutilmente botar alguma moral nas rodas, debaixo das queixas das socialites assustadas porém dançando ensandecidas. Em momentos distintos Mr. Kisser tocou a intro de “Dazed & Confused” arrancando todos os arrepios e emoções possíveis da galera, e mostrando que o Zeppelin é eterno mesmo para gente nova; e também o start de “Lazy”, anunciando ser uma honra para o Sepultura abrir para o Purple. Quem gosta de guitarra – e mesmo quem não gosta – pode imaginar o que seja a ensurdecedora guitarra do Sepultura tocando “Dazed” e “Lazy”. Não tem preço. Não tem arterioesclerose nem Alzheimer que possam algum dia arrancar isto da cabeça de quem lá esteve.
Derrick Green está parecendo uma caveira preta, enorme, gigantesco, uma cordilheira de músculos, um hulk preto com olhos permanentemente esbugalhados e dreadlocks nos cabelos que vão abaixo da cintura. Presença fortíssima, arranhou algumas palavras em português, até quando ele fala “Um, dois, três, quaaaaatro” o estádio treme com sua voz gutural. Impecável.
Quando descobri Igor Cavalera, não mais consegui desgrudar os olhos. Uma bateria colossal, lindíssima, muito maior do que a do Purple, e ele furioso, compenetrado, ele era a música personificada, atento, não pensando em nada que não fosse socar alucinadamente os tambores. Para cada um dos milhares de acordes por segundo de Andreas, uma porrada na batera. Ser baterista de banda de metal é muito mais difícil do que ser guitarrista. Meu ilimitado respeito por Igor.
O show do Sepultura durou 80 minutos. Uma hora depois, às 0h15m, o Deep Purple entrava no palco para 100 minutos que ficarão tatuados em meu cérebro.
Entraram com as luzes acesas e calmamente assumiram seus lugares no palco sob delírio e ovação ensudecedora da platéia. A abertura do show com “Highway Star” em uma versão moderna, soberba e com um ritmo alucinante e alucinógeno mostrou em instantes que Steve Morse é a guitarra perfeita para o Purple, enterrando qualquer idéia de algum dia voltar a ver o mal-humorado Blackmore. Rest in peace, Ritchie; and do not haunt us again!... A galera cantou o solo junto com Steve Morse, foi a segunda vez que vi a platéia cantar um solo, a anterior fora no show do Kiss no Autódromo de Interlagos quando mais de cem mil pessoas cantaram o solo de “Detroit Rock City” junto a Ace Frehley e Paul Stanley em um momento realmente lindo; mas o solo de “Highway Star” é muito mais difícil.
“Lazy” trouxe gaita ao Deep Purple, Ian Gillan puxando uma gaita perfeita, como estão soltos e bem humorados, com um astral altíssimo. Platéia na mão, por muitas e muitas vezes um emocionado Gillan agradecia – “You are amazing”, “You are unbelievable”, “You are fantastic”, “Thank you, thank you, thank you”. Somos nós que agradecemos, Mr. Gillan.
Eu temia que o Purple só fosse tocar coisa antiga, quebrei a cara: banda ativa, viva, lançando discos, tocando coisas novas, todas irresistíveis, ritmo fenomenal, envolvente. “Perfect Strangers” é cada vez mais progressiva. Steve Morse junto à cozinha do Purple palco desfilou uma sucessão de riffs antológicos, começando por “Sweet Child o’ Mine” em uma versão que nos levou todos às lágrimas, emendando com uma “Gimme Shelter” viril e soberba – se Keith Richards ouvisse, mudaria sua forma de tocá-la – depois o solo de “Stairway to Heaven” (Gloug informa que no Rio foi “Whole Lotta Love”), emendando com “Day Tripper” (in Rio, “Here Comes The Sun”) e então... “Smoke on The Water”!!! Versão ultra moderna, ultra ritmada, eu não acreditava no que via e ouvia, chorava e perguntava ao fã a meu lado que tudo conhecia – e que já estava pegando uma das socialites bebadas – “O quê é istooooo?”. Eu não acreditava. “Eu não acredito!”. Marcio em transe.
A versão ainda mais radical e descerebradamente rocker de “Space Truckin’ ” deixou a massa catatônica, pulando todos em um só bloco conjunto e fazendo o Pacaembu balançar (Glauco descreve como “mortífera; soco no fígado”).
Outro momento antológico foi durante o solo de baixo. A platéia começou a urrar o ritmo de “Black Night”. Roger Glover, que está parecendo um enorme gnomo, está igual ao Ian Anderson, foi para a frente do palco e começou a tocar acompanhando a massa. Os músicos ficaram em silêncio e a massa berrava o riff. Pois em uma das paradas e reentradas, a banda entrou junto! E tocaram a mais emocionante versão de “Black Night” de todos os tempos, acompanhados por mais de cem mil bocas ululantes e pares de olhos lacrimejantes.
Na lateral do palco, entre várias gostosas que rebolavam, Jô Soares de camisa amarela fumava um cigarro. Talvez estivesse lá para tentar se redimir da entrevista levada ao ar na véspera, provavelmente a mais bisonha de toda a sua carreira. Ele fez as mais despreparadas perguntas de todos os tempos: “’É a primeira vez que vocês vêm ao Brasil?” “Não, é a trigésima quarta” respondeu Roger Glover (o Deep Purple tem 34 anos de carreira). “É verdade que ‘Deep Purple’ era a música favorita da avó de Ritchie Blackmore?” perguntou ele, ignorando tratar-se de um desafeto da banda. “Não sei, nós não lembramos” respondeu Ian Paice. E muitas outras no mesmo (baixo) nível. Chegou a dizer ao Ian Paice: “Você é o membro da banda com quem eu mais me identifico: é gordo como eu”...
Não vou a um show no Brasil sem sair com a mesma impressão de sempre: platéia brasileira não sabe pedir bis. Pedem com pouco “punch”, com pouco tesão, acham que “já está incluso” no pacote, que é obrigação da banda. Pedido muito chocho. Resultado: as bandas voltam pouco.
Existem uns 20 shows que classifico com “um dos melhores 5 shows de minha vida”. Iggy, Jethro, Plant & Page, Dream Theater, INXS, RPM, Barão, Blitz (na chuva), Fish, Guns, Queen, Kiss (em 85), e muitos etcs. Bem o do Deep Purple se encaixa nesta categoria: foi um dos 5 melhores shows de minha vida. Estarei em todos os shows que eles vierem a fazer por aqui. Mais uma vez fui a um mega-show sozinho; mais uma vez eu era o mais velho, o que não mais me surpreende: “Still Crazy After All These Years”...
(set/2003)
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