quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Kasparov x Deep Blue

(Texto escrito a respeito da primeira vez que um Computador venceu um Campeão Mundial de Xadrez, e publicado no JORNAL DO BRASIL de 15 de maio de 1997, seção “Cartas dos Leitores”. Como curiosidade, incluo foto de sessão de autógrafos com Garry Kasparov em ago/2004, quando mostrei-lhe o jornal com a publicação.)

Ao ser inventado, certamente não constavam no Xadrez regras de tempo como as atuais. Não havia tempo cumulativo medido a partir de relógios eletrônicos sincronizados, com duas horas para os primeiros 40 lances, uma hora para os 20 seguintes e então meia hora para todos os restantes. A contagem de tempo é uma regra relativamente recente, e não-original; uma adulteração do espírito do jogo. Por bastante tempo, fez sentido. Em se tratando de torneios, por exemplo: para evitar manha, cera, catimba, reduzir as possibilidades de movimentos extra-jogo que objetivassem irritar o adversário. Enquanto fator limitador para dois contendores sujeitos às mesmas limitações, não havia problema. Mas agora, quando o tempo se torna obstáculo para apenas um dos lados, tal regra se torna um desigualador da balança; um handicap. O Computador tem todo o tempo que necessita para analisar as jogadas, mas o Homem não. Um conceito jurídico reza que “Justiça é tratar desigualmente coisas desiguais”. No caso do confronto KASPAROV x DEEP BLUE as condições eram desiguais, e portanto o resultado não foi justo. Para que se estabeleça uma igualdade nas condições de comparação entre o Xadrez de Homem e Máquina é necessário que ambos estejam soltos, à vontade, livres para exercer todo o seu potencial. Que o Homem possa analisar todas as alternativas que considerar convenientes, assim como a Máquina o faz. E então comparemos – confrontemos – o jogo de ambos. Quero ver um confronto pau-a-pau. Igual. Este match não tinha o espírito do Xadrez. Não convenceu.

(mai/1997)

Administrando por Exceção

Fico impressionado com a capacidade de se produzir esperneios e escândalos por causa de exceções.

Neste início de ano tivemos um escarcéu porque uma Mulher foi morta pelo ex-Namorado ou ex-Marido após ter dado queixa na Polícia (dizem) por 9 vezes.

Pronto! Começa-se uma histeria porque o Mundo é machista, porque não se fez nada apesar do alerta, que é necessário que uma Mulher morra para que se dê atenção.

Nas matérias a respeito do caso ficamos sabendo que no ano passado houve 480.000 queixas de Mulheres em Delegacias quanto a ameaças de ex-Maridos e ex-Namorados. Quatrocentos e oitenta MIL. O quê este pessoal do alvoroço queria? Que a Polícia designasse quatrocentos e oitenta mil soldados para proteger as queixosas? Vomitar queixas é fácil, mas qual a alternativa que oferecem?

Não adianta pegar um único caso que deu errado e tentar estabelecer uma regra – ou uma convulsão – em cima dele. É como o caso do atleta amador de terceira divisão que teve um ataque cardíaco em um treino em um estádio nos cafundós do judas. Estardalhaço! Todos os clubes deveriam ter desfibriladores! E toca a gastar rios de dinheiro e entupir-se os clubes do País de defibriladores que ficam inativos e mofando, desnecessários, mais uma vez estabelecendo uma regra geral em função de uma exceção.

Ouvi ainda um estrebucho contra a Austrália ou Nova Zelândia, que tinha impedido a entrada de um indivíduo hiper-gordo sob o argumento que ele custaria caríssimo para o Social Security. Perfeito! Mas os piegas reclamavam aos brados de “discriminação”, sem atentar para o fato que discriminação é uma regra (“todos os gordos”, ou então “nenhum gordo”) e não uma exceção (“este gordo especificamente exagerado”).

Quem conhece um mínimo de Estatística e a Curva Normal, sabe que há “outliers”, pontos fora da Curva, não há como evitar! Se morre 1 jogador em cada 100.000, faz parte, é estatístico, para morrer basta estar vivo. Quem mandou não fazer os exames adequados? Ou não cumprir as advertências? Se morre 1 Mulher em cada 480.000, faz parte, é estatístico, quem mandou se envolver com o cara errado? Ou provocá-lo? Ah, não sabia que o cara era perigoso? Pois pague pelo seu erro. Only the strong survive. Darwinismo, foi assim que a Raça Humana chegou até aqui.

E por favor não me venham com argumentos do tipo “se fosse alguém de sua Família”. Estamos abordando o assunto racionalmente, o lugar de apelinhos emocionais e piegas é em novela das 8.

De outra forma, estaremos criando uma (caríssima) Sociedade voltada para a defesa da sobrevivência das toupeiras.

(fev/2010)

3 tentativas para acertar sua Senha

Poucas coisas atestam mais a total falta de bom senso desta raça do que as indefectíveis “3 tentativas de acesso a sua senha”.

Como na maioria das imbecilidades, a idéia original é boa porém a realização é mongolóide. Busca-se evitar que um acesso codificado seja varado através do método da “força bruta”, múltiplas tentativas e erros até o acerto, procedimento muito bem retratado no “Fortaleza Digital” de Dan Brown.

Mas o que acontece conosco, pobres mortais que não temos a força bruta e que só queremos acessar nosso pequeno mundinho? Normalmente, se você erra uma primeira tentativa, é porque digitou no impulso, no instinto, no hábito. Naturalmente você redigita a mesma senha de antes. E se der um segundo erro???

Se der um segundo erro FODEU, porque se tentar e errar pela terceira vez você ficará bloqueado, terá que passar por um inferno de burocracia e desperdício de tempo para retomar sua senha. Você fica com medo de tentar pela terceira e última vez. Em outras palavras, as “3 tentativas de acessar sua senha” são na verdade uma única: a segunda tentativa. Porque a primeira tentativa sai no xixi, e a terceira já é o cocô.

Para o método “força bruta”, 3 tentativas ou 6 ou 9 ou 12 não vão fazer a menor diferença, pois ele depende de 10.000 tentativas (no caso de senha de 4 dígitos numéricos, que é um mínimo). Não haveria portanto o menor problema se tivéssemos 6, 7 ou 9 tentativas de acessar nossa senha. Mas não; o impotante é o Administrador dar a impressão de estar sendo zeloso, mesmo que para tal seja necesssário ser um rematado imbecil!

Esta toupeirice das senhas chegou ao absurdo em um conhecido Banco, onde as senhas dos cartões de saque – que acessam TODA a vida finaceira do cliente – têm 4 dígitos que não mudam JAMAIS; mas a senha de acesso ao voice mail tem 8 dígitos que devem ser mudados a cada 30 dias!!!

Note-se que não estou defendendo a troca constante de senhas, muito pelo contrário: tais trocas regulares das tantas senhas que temos no dia-a-dia, cada qual com suas próprias regras construtivas (maiúsculas, algarismos, não-repetição de caracteres, etc) levam o pobre cidadão a acabar anotando sua senha, e isto sim, é perigoso. Ou seja: a regra que um boçal de Compliance pariu para aumentar a segurança, graças a sua falta de percepção, empatia e inteligência, ocasionou um aumento do risco!

Nossa vida é regrada por toupeiras de Compliance que se preocupam em colocar dentro de casa grades que atrapalham os moradores, mas não os ladrões. Se dependesse do raciocínio deste tipo de mané, a velocidade máxima nas Rodovias seria 5 km/hora, pois assim não teríamos mais acidentes.

(fev/2010)

Um Dia Ideal para Jerome David

Sou um “single-minded” que só gosta de ler ficção (às toneladas). Fora as obrigações profissionais e acadêmicas e jornais e revistas, minhas únicas leituras de não-ficção são livros sobre Matemáticas e as biografias de 3 escritores: o Anjo Pornográfico, o autor de “1984” e Jerome David Salinger.

Sempre gostei de seu isolacionismo. Em sua (não-autorizada) biografia, quando perguntado se recebe visitas em seu refúgio no campo, ele respondeu: - “Mas claro! Tenho um canteiro de rosas cheio de marcas de pneu de carros para comprová-lo...”

J.D. ficou famos(érrim)o pel’O Apanhador, mas não é esta sua obra de minha preferência. São apenas 4 livros publicados, menos de 800 páginas ao todo, de forma que é muito fácil ler-lhe toda a obra repetidamente. Mas já são mais de 2 décadas desde que o li, de forma que este meu comentário pode conter algumas falhas alzheimerianas. Gostei muito da estória “Pra Cima com a Viga, Moçada” (originalmente chamada “Raise High the Roof Beam, Carpenters” e que em recente – e bisonha – tradução literal passou a ser “Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira”) e do livro “Franny & Zooey”. Pessoalmente creio que seus livros envelheceram; acho também que os personagens poderiam ser um pouco mais idosos, ao invés das precoces crianças de 5, 6 ou 7 anos de idade que ficam dando lições de moral e budismo.

Mas para mim o ponto alto é o “Nove Estórias”. Embora algumas delas sejam descartáveis (ao menos para mim, que não as consegui alcançar), o livro contém algumas pérolas. Entre elas destaco “O Gargalhada”, que cativa ao leitor da mesma forma que captura as crianças do ônibus da escola que diariamente ouvem o condutor narrando em capítulos a saga do herói mascarado Gargalhada, em paralelo a seu romance (do condutor) com uma jovem. O final é emudecedor, e você se sente como as crianças e também na pele do motorista.

No entanto, o ponto alto, o que me fez considerar Jerome David Salinger um escritor merecedor de se ler a biografia, é a primeira destas “Nove Estórias”. Creio que depois de ter escrito as 14 páginas de “Um Dia Ideal para os Peixes-Banana”, J.D. não precisaria escrever mais nada. Foi uma grande lição para mim: para ser um dos maiores escritores da história, 14 páginas são mais do que suficientes.

Procurei encontrar o conto na internet para deixar um link para quem lê este post, mas não consegui. E pior: todos os comentários a respeito revelam o final, o que é absolutamente imperdoável! É OBRIGATÓRIO ler “Um Dia Ideal para os Peixes-Banana” sem saber o final. Deixe-se levar pelo conto, deixe a estória crescer em você, e desemboque no final junto com ela.

Só resta a quem se interessar procurar o “Nove Estórias” nas livrarias. E não adianta me pedir emprestado, pois o exemplar número 2906 não sai de minha casa nem sob tortura. Como diz o ditado, “livro não se empresta; você perde o amigo... mas mantém o livro”!

(fev/2010, 1 semana após a morte de J.D.)