Utilizando somente a mim mesmo como 100% do universo
amostral, só posso concordar com a afirmação “o que determina o apreço de
alguém pela leitura é o apreço de sua Mãe pela leitura”.
Passei o início da vida entre os livros de Mamãe, e
logo então os meus. A iniciação se deu com Julio Verne, Agatha Christie,
Monteiro Lobato e Isaac Asimov, autores de quem li tudo ou quase tudo – além
das toneladas de quadrinhos, é claro.
O Autor preferido de minha Mãe é Honoré de Balzac, mas
ela também adora livros sobre a vida de Grandes Homens como Alexandre, Leonardo
da Vinci, etc. Na maior parte das vezes, lê em francês. Felizmente para mim leu
René Barjavel em português, e assim quando Papai e ela me proibiram de lê-lo
aos 10 anos de idade por ter “cenas muito fortes de sexo” eu pude descobrí-lo
às escondidas já no dia seguinte!
No início de 1988 morei por 3 meses na casa do Guru
R.A. em Cataguases, MG. Papai & Mamãe foram me visitar, e passaram um final
de semana hospedados na edícula de seu Sítio no Glória. Quando Mamãe desceu do
carro e descarregou os livros que havia levado, R.A. me perguntou em voz baixa:
- “Sua Mãe compra livros... por quilo???”
Aos 81 anos ela permanece com a mesma voracidade de cultura
e leitura que me contaminou. Em julho de 2014 fui à casa de P&M no Rio e
ela me deu uma folha de papel escrita com sua caligrafia, e explicou:
- “Já que este livro não foi traduzido e você não lê em
francês, traduzi para que aprecie.”
Reproduzo a seguir. Trata-se de um trecho do livro
“François 1er et la Renaissance”, de Gonzague Saint Bris.
“Em matéria de sexualidade, a época
(+/- 1512) nos propõe um ponto de vista inesperado: o de Leonardo da Vinci,
quando ele abaixa o olhar em direção ao próprio sexo.
“Ele tem relações com a
inteligência humana, e algumas vezes possui uma inteligência própria; a
despeito da vontade que deseja estimulá-lo, ele se obstina e age como quer, se
movendo às vezes sem a autorização do homem, ou mesmo contra ela. Seja que o
homem durma, seja que esteja acordado, ele não segue senão seu próprio impulso.
Freqüentemente o homem dorme e ele
está acordado. E também acontece que o homem esteja acordado e ele dormindo.
Inúmeras vezes o homem quer se
servir dele, e ele se recusa a isto.
Inúmeras vezes ele quer, e o homem
o proíbe.
Então parece que este ser tem uma
vida e uma inteligência distintas da do homem, e que este último está errado em
ter vergonha de dar-lhe um nome ou de exibí-lo, procurando constantemente
cobrí-lo e dissimular o que ele deveria ornar e expor com pompa, como um
oficiante.”
E Mamãe finaliza acrescentando uma nota de rodapé:
“Oficiante: quem oficia ou preside ao
ofício divino; celebrante. (Dicionário Aurélio)”
(Rio, jul/2014)