quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Não Apenas Um Rostinho Bonito


Perdi as primeiras 2 semanas de aula na Engenharia depois de passar no Vestibular. Com 17 anos de idade fui acometido de herpes zóster no canal auditivo, afetando parcialmente controles musculares e cerebrais do rosto. Fiquei por um longo período não apenas com metade da face paralizada como também isolado do Mundo, sendo aquelas duas semanas somente a reta final. Minha Mãe achava que eu iria morrer (não foi a única vez), e em seu Amor Materno se lamentava:
- “Se era para ele morrer, era melhor que tivesse tido a moto que tanto queria!”

Mas sarei, e com autorização médica e ainda com metade da face paralizada passei a freqüentar a Pontifícia Universidade e retornei às aulas de inglês no IBEU. Um aspecto positivo daquela quarentena foi que perdi o trote de calouros (uma das provas irrefutáveis da Imbecilidade da Raçumana), e não tive o pixaim raspado.

O reencontro com o Grande Amigo RGG nas escadarias do IBEU foi antológico: eu rindo dele careca, ele rindo de meu riso meia-face (literalmente meia-boca!). Ríamos tanto um do outro e daquela situação esdrúxula que tivemos que sentar no chão para não urinar nas calças.

Aprendi nesta vida que jamais nos recuperamos por completo dos percalços físicos que porventura tenhamos tido ao longo da existência. O tornozelo direito e o joelho esquerdo seriamente contundidos em inocentes jogos de futebol na praia e playground na infância e adolescência voltarão a inchar e inflamar quando você peregrinar a pé pelo Caminho de Santiago quase 25 anos após as contusões. O olho que levou uma bolada certeira terá crises esporádicas de ofuscação gratuita passados 40 anos do incidente. A urticária alérgica provocada pelo ataque simultâneo de 50 carrapatos quando você subiu a Serra das Araras voltará a te atormentar a cada biênio, religiosamente. A operação de hérnia inguinal se manifestará poderosa quando você fizer uma longa caminhada na China, um lustro após a intervenção cirúrgica.

E aquela herpes zóster que estava esquecida é descoberta 4 décadas depois em seu dia-a-dia, quando você olha suas fotos atuais. Ela aparece em todas em que você sorri, um lado do rosto fica menor, diminuído, algo atrofiado. Um olho mais fechado, um sorriso torto, uma face mais assimétrica do que o usual.

Você descobre que, definitivamente, não é apenas um rostinho bonito...

(SP, 27/ago/2014)

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