sábado, 17 de setembro de 2011

Dalai Lama em São Paulo


Parque das Convenções do Anhembi, 17/set/2011 (sábado)

Graças a uma inesperada e não surpreendente cortesia do Amigo FM, ganho um ingresso para assistir à palestra “Convivência Responsável e Solidária” do DALAI LAMA no Anhembi, 12 horas antes do evento.

Apesar de ser cedo (manhã de sábado!), a cidade ensolarada e fria já está engarrafada. É claro que o evento vai começar com pontualidade rigorosa; mas a moto assegura que eu chegue em um ótimo horário.

Há um enorme entourage organizando o acontecimento. Todos vestem a mesma camiseta com uma frase que é o mote da palestra, e que também está escrita em diversos cartazes imensos em todo o Pavilhão: “A convivência nasce do diálogo que celebra nossas diferenças”.

Às 09h30m (o horário marcado) a lotação é de 2/3 dos assentos; mas ao longo das 2 horas que se seguem, o lugar lota.

É indescritível a emoção de estar em um lugar no qual entra o Dalai Lama. Remeteu ao que senti quando cheguei a Angkor Wat e vi o Templo pela primeira vez: a emoção de estar fisicamente na presença de algo que extrapola muito o meramente físico. O Amigo (e ex-Chefe) Ronaldo Fraga estava no palco acompanhando o Dalai; ele faz parte da Comissão Executiva das vindas do Dalai Lama ao Brasil, e em todas elas o acompanha a todos os lugares. Curiosamente, quando fui a Angkor Wat e mencionei a emoção de lá chegar, o próprio Ronaldo se identificou com o que descrevi, dizendo que sempre tinha achado que quando lá chegasse sentiria exatamente o que eu senti. Pois bem, Ronaldo: você já viveu precisamente aquela emoção irrepetível de chegar pela primeira vez a Angkor Wat – só que muitas vezes!...

Pouco após a entrada do Dalai no palco enviei um torpedo para Ronaldo, descrevendo-lhe a roupa e pedindo que erguesse o braço no palco para confirmar que eu não estava enganado. Mas isto não teria sido necessário: eu o vi olhar a mensagem em seu celular tão logo a enviei. Quando ele ergueu o braço, acenei de volta; e poucos minutos depois tive a deferência de receber no meio da platéia a visita do ilustre membro da Comitiva.

Lia Diskin também estava no palco (é claro). Certa vez, em um curso que fiz com ela na PALAS ATHENA (Ronaldo Fraga costuma dizer que “a Palas Athena é o melhor motivo para se morar em São Paulo”), Lia comentou que é impressionante como depois que o Dalai Lama sai de um ambiente, as pessoas se empenham em ficar com os objetos que ele tocou.

Dress Code
Fui vestido com minha camisa nepalesa do Nó Infinito; mas minutos após o início do evento me arrependi de não ter levado uma kata...


Tenzin Gyatso iniciou seu ‘speech’ com um – “Brothers and Sisters!”, e me foi impossível não lembrar do “Kick Out The Jams”, disco do MC5 de 1969 (o disco de estréia da Banda foi ao vivo; inusitado!).

Ele emendou com “somos todos Seres Humanos; todos queremos ser felizes; não há diferença entre nós”.

(Todas as citações deste texto são adaptações pessoais – extremamente resumidas e concisas – das palavras de Tenzin Gyatso. A ordem cronológica de meus registros originais foi mantida, de forma que o encadeamento da Palestra foi o que se segue. Tentei me ater ao que escrevi em cada momento, e a manter exatamente as mesmas palavras que anotei. Se por um lado isto empobrece o texto – pois foi tudo rabiscado às pressas –, por outro espero que transmita de forma mais vívida o intenso sentimento daquelas 2 horas.)

Ele preferiu ficar de pé, falando sem a bancada que lhe havia sido preparada. Usava um boné-viseira com óculos escuros que lhe dava um ar quase de um rapper senhoril (posteriormente Ronaldo me explicou que ele o usa por causa das fortes luzes dos holofotes, quase onipresentes em suas apresentações e que são extremamente incômodas). O Dalai Lama é muito bem-humorado, e brincou diversas vezes com o Tradutor, que tomava notas durante suas palavras para depois as traduzir ao microfone (registre-se que com extrema competência) para os 3.000 presentes.

“Antigamente se falava em ‘nós’ versus ‘outros’. Havia distinção entre classes sociais e educação. Isto é passado, é discriminação, somos todos iguais, vivemos no mesmo Planeta.”

“O Século XX trouxe invenções fantásticas, mas foi extremamente violento. Guerras, bombas, genocídios. O Século XXI deve ser o Século da Paz, e para isto devemos cultivar o diálogo.”

“Guerra significa derrota de um e vitória de outro. Mas nesta nossa era de interdependência, não faz sentido pensar que alguém ganhe quando um outro alguém perde.”

“Ter boa intenção na guerra não justifica este uso do método errado.”

“Proposta: um Mundo desmilitarizado. O fim dos armamentos. Além da enorme economia que a não-produção de armas iria trazer...”

“Tenho 76 anos, e minha geração já está chegando no ponto de dizer: tchau! (e acenou um adeus para a platéia). Nossa mensagem para as novas gerações, aqueles com 20 ou 30 anos, é: criar um Mundo pacífico. Isto necessita 3 coisas. Em primeiro, Visão: uma perspectiva ampla, global, que abarque o Mundo todo. Em segundo, Educação. E terceiro, cultivem o calor do coração. Até para benefício próprio; um coração quente no peito faz a vida mais feliz, diminui o medo, traz paz interior.”

“Existem 3 caminhos para se cultivar os valores internos. Um são as Religiões Teístas, que oferecem um instrumento poderoso para lidarmos com nosso egoísmo e arrogância. Quem se submete de forma sincera à Fé e ao Deus superior enfrenta seus próprios egoísmo e arrogância.
Outro caminho são as Religiões Não-Teístas; os sistemas filosóficos que não pressupõem a idéia de um Criador. O próprio Budismo não propõe a existência de um Criador. Foca na causalidade: praticar o bem ao semelhante traz benefício à pessoa. Destruição e mal aos demais traz prejuízo a si próprio. Abstenha-se de prejudicar seu semelhante.
O terceiro caminho é o Secularismo. Não é essencial ou necessário ter uma religião; basta que o indivíduo seja uma boa pessoa, que tenha bom coração, que seja ético.”

“Tenho uma curiosidade pessoal: quantas pessoas aqui não têm engajamento sério em uma religião? Levantem o braço, não tenham vergonha.” (Levantei o braço; éramos uma minúscula minoria, talvez umas 50 pessoas, 100 no máximo. Pessoalmente não acredito em Religiões, mas sim em Espiritualismo. Curioso o questionamento do Dalai, pois naquele momento eu estava – como aliás sempre estou – refletindo em como passo a vida dedicado a descobrir o quê estamos fazendo aqui, neste Planeta, nesta existência. Sobre como Deus está em nós, em todos nós; como Deus sou eu. Mas isto nada tem a ver com religiosidade.)

“O Secularismo respeita não apenas as Religiões, mas também as pessoas que não têm religião!”

- “Secular ethics is very necessary.”

Lá pelas tantas ele se atrapalhou com sua cadeira no palco e quase caiu; riu de si mesmo, apontou para a platéia e disse:
- “I almost fell! Now you take good pictures!”.

O evento durou exatamente das 09h30m às 11h30m. Às 11h05m, o Dalai Lama começou a responder perguntas da platéia.

Como devemos educar as crianças?
“A educação deve focar a ética.”

Como manter a paciência em um Mundo tão corrido, sôfrego e apressado?
“Devemos cultivar a paciência. Mas só se consegue isto em situações de adversidade! Aprecie portanto seu Inimigo, por te dar a chance de cultivar sua Paciência. Isto não quer dizer que você vai se submeter a seu Inimigo; aprecie-o porque ele te traz a oportunidade de fortalecer seus valores internos.”

Se todos queremos ser felizes, porquê existe o Mal?
“Questão complexa e filosófica, existem diversas respostas. Para quem acredita em religiões teístas: pergunte para Deus! Já a resposta Budista é: o Mal é derivado da Ignorância. Enfrentemos a Ignorância, pois através do Conhecimento se reduz  o Mal.”

Como diferenciar Tolerância de Permissividade?
“Tolerância significa não cultivar raiva a aquele que quer prejudicar ou ser injusto. Tolerância não é submissão; é necessário se opor às injustiças. É preciso diferenciar a Pessoa e o Ato. Não aceitar a Ação, mas também não ficar com raiva de seu Autor. Se contrapor ao Ato injusto, mas sem nunca perder o respeito por seu Autor. ‘Deus não perdoa o Pecado, mas sim o Pecador’. Se o malfeitor fica livre para agir apesar de seu ato errado, ele irá repetí-lo no futuro – e isto é ruim para ele. Se contrapor é bom até para o próprio malfeitor.”

“Vou embora agora, mas seus problemas ficam com vocês.”

“Sejam felizes! Be happy!”

E o Dalai Lama se foi de nossa presença. Mas nunca mais de nossos corações, que ele indelevelmente aqueceu.

(17/set/2011)

6 comentários:

  1. O Dadá (Dalai Lama para os mais formais) tá sempre bem humorado nas suas palestras, se auto-zoando sempre que tem uma chance. Assisti a várias no YouTube, mas ainda não tive o prazer de assistir ao vivo...

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  2. Guedes, sou filha de um Deus Único e creio em tudo o que vem d'ELE, obviamente não levantaria o braço ... mas prestaria a mesma atenção que você ... muito BACANA ... que possamos manter nossos corações aquecidos, levando embora o medo e nos trazendo a PAZ interior ... que assim seja!
    E assim será!
    Obrigada!

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  3. Parabéns pelo texto e pela nova cara do blog. Eu acredito numa força superior, mas fico revolta pq pessoas tão boas, tem que passar por certas coisas e outras más não. MAKTUB?

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  4. Marcio, que experiência! Te mando um abraço com muito amor e carinho em agradecimento por compartilhá-la conosco!

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  5. Como a Cris te agradeco por ter compartilhado essa linda experiencia. Estive numa palestra dele no Anhembi em 2006 e foi inesquecivel. A minha impressao e que a presenca dele preenchia todo o espaco de luz e amor! Continue escrevendo porque assim voce espalha boas energias pelo mundo! Eu estou longe, mas recebi essa boa vibracao atraves do seu texto. Beijos!

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  6. Parabéns, Marcio. Por um único minuto me deu vontade de ir a SP ver esta palestra... mas como você postou sobre ela, assisti no seu Blog a íntegra... hahaha!

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