Uma das mais impressionantes e espetaculares viagens que fiz foi ao Deserto de Atacama. Não à toa os sábios, loucos e iluminados buscam o deserto, lá permanecendo por longas temporadas. Passei no Atacama o Reveillon de 2002/2003 e as duas semanas seguintes. As vivências desta viagem foram profundamente marcantes, no Deserto não há como evitar uma avassaladora invasão da Espiritualidade, as conversas com as Divindades são intensas, em uma troca direta e objetiva que chega a ser um diálogo. Espero algum dia registrar adequadamente toda a experiência; por enquanto uma página-resumo está no texto "As Cores do Deserto", postado neste Blog em set/09. Relato a seguir três momentos distintos desta viagem que se fundem em uma experiência única que tatuou minha Alma.
No dia 4 de janeiro de 2003 fiz o belíssimo passeio das LAGUNAS ALTIPLANICAS, a mais de 4.400 metros de altitude, com caminhadas por lugares inesquecíveis e de cores inacreditáveis. Durante uma de tais caminhadas avistei algo que parecia um vulcão, com um cume cônico uns 400 metros acima do nível em que estávamos. Um alarme interno soou: desde "Joe Contra O Vulcão" sonho subir um, e ali - a 'walking distance' - estava uma oportunidade. Expliquei para o Guia da excursão que gostaria de me desligar do Grupo por algumas horas: eu subiria o vulcão enquanto eles faziam um outro passeio que era parte da programação, e os encontraria na volta em local e horário que combinamos. Ele deu o OK, dizendo que "uma perda de 10% dos turistas é aceitável em um tour"... Ressaltou no entanto que minha impressão era falsa, pois a montanha era mais alta do que parecia e naquela altitude o esforço seria muito maior. Nada me demoveu; felizmente um francês (Hugues) optou por me acompanhar, declarando que "ninguém deve ficar sozinho na montanha".

Quais as lições? Primeiro que uma cagada nunca tem cara de cagada, no começo parece um desafio interessante, aí você vai se envolvendo e se aprofundando até que chega um momento em que não está mais se aprofundando mas sim se atolando. Como distingüir uma cagada de um desafio? Não tenho a mínima idéia, pois as pessoas te alertam que é perigoso em ambos os casos. Esta história poderia ter sido uma bela aventura com uma cratera de vulcão no topo como a cereja do bolo, mas acabou sendo um quase-desastre com um insucesso no meio.
Uma segunda lição é a do limite pessoal. Não utilizar toda a s forças, energias, reservas ou o que seja, pois depois você pode precisar de muito mais do que imagina. É a lição dos gatos, que sempre deixam um pouco de comida no prato até que seus donos cheguem da rua. Também esta é uma lição de muito difícil ajuste fino, pois existem situações em que é efetivamente necessário irmos até o limite. Como saber se iremos necessitar mais do que aquele limite que imaginávamos?
E a principal e mais difícil lição: saber desistir. O reconhecimento de que não podemos atingir algumas coisas (além das Mulheres). Esta lição fiquei orgulhoso de ter aprendido, Marcio Contra o Vulcão Parte I não foi afinal um fracasso total, não me frustrei por não ter atingido o cume, até me orgulhei por ter ido até o limite e ter retornado sem conseguir, por ter compreendido que o cume do vulcão estava além de meu máximo. (Talvez não haja tanto motivo para orgulho, pois não foi minha cabeça quem decidiu, e sim o corpo é que impôs sua limitação à mente).
Mas aprendi uma coisa: EU TENHO QUE CHEGAR À BOCA DE UM VULCÃO! (Em janeiro de 2007 cheguei à boca de uma cratera na Antartica, mas ainda não foi aquilo que desejo.)
Esta história não termina aqui: Deus não deixa barato, e mandou ver logo em seguida para saber se eu tinha aprendido a lição!
Tirei o dia seguinte como day-off, e passeei pelo povoado de San Pedro de Atacama - quase um oásis - fazendo turismo, compras, comendo muito bem e fazendo passeios curtos. É interessante porque para lá vão turistas "rapaziada-galera" do Mundo inteiro, e ali se alojam por 2 ou 3 ou mais meses. Neste período arranjam trabalho nos hotéis e restaurantes, e assim temos uma grande rotatividade de cozinheiros extremamente variados e criativos, e de diversas partes do Mundo - parece mesmo haver uma competição entre os Restaurantes para ver qual apresenta o melhor e mais criativo Cozinheiro. Melhor para que os freqüenta, pois comi muitíssimo bem lá, coisas que nem imaginava e que dificilmente vou encontrar novamente.

Após meia hora de descanso debaixo do pontilhão no meio do nada infernal o corpo começava a ficar legal. Recomecei a perambular ao SΘL e após uns 2km descobri que a porra do mapa que haviam me dado na operadora de turismo estava errado! A esta altura já eram 15h30m e eu talvez ainda conseguisse chegar às ruínas, no limite do horário e das forças. Mas considerei que este era um teste cósmico - Deus verificando se eu tinha aprendido a lição do vulcão - e tremendamente decepcionado voltei para o Hotel em San Pedro de Atacama.
Naquela noite, frustradíssimo e desanimado após dois insucessos seguidos, escrevi em meu diário:
"Cheguei em SPA às 5½da tarde exausto, sem ter feito porra nenhuma a não ser mostrar para God-inho que aprendi a lição do vulcão: tornei-me um cagão. Mas convenhamos, God-inho: TAQUICARDIA?!? Tenha a Santa paciência! Assim é sacanagem, assim é covardia... Oh Pai, oh Pai, por quê me abandonastes?"
No dia seguinte optei por um passeio a PUCARA DE QUITOR e ALTOS DE CHULACAO. A curiosidade ficou por conta do Senhor que cobrava ingresso na entrada da Pucara. Ele apontou para algumas nuvens ao longe, e afirmou entusiasmado:
-"Está chovendo na Bolívia!"
Realmente de lá se avistava muitos quilômetros de distância. Ainda por cima o Chile é estreito, de forma que além da Bolívia ele também me mostrou o Peru. Esta história me lembra uma conversa com o Guia às Lagunas Altiplanas: perguntei-lhe se em San Pedro chovia, e ele respondeu:
-"Mas claro! Todos os anos!"
Passeei pela fortaleza de terra batida (pucara = fortaleza) e a seguir comecei a enorme subida para os Altos de Chulacao, um mirante ("mirador") que há muito tempo me atraía, pois era avistável de todos os pontos de San Pedro. Às três e meia da tarde, com o SΘL a pino, cheguei até lá em cima...
... e tive a vista mais espetacular de toda a viagem!!!

EL VALLE DE LA MUERTE, inteiro, enorme, colossal, extraterreno, vermelho, escamoso, gigantesco, todo à vista, todo a meus pés. Eu absolutamente sozinho, no absoluto silêncio, perto do Céu, com aquela visão cósmica esparramada à frente, como nosso Planeta é maravilhoso, como o Deserto é maravilhoso, fiquei extasiado, atônito, deslumbrado, emocionado. Gastei 1 rolo inteiro de filme naquele lugar.

"OH PAI, OH PAI, PORQUE ME ABANDONASTES?"

Um tapa na cara.
Eu não sabia se ria ou se chorava.
Optei por tirar fotos.
(Nota - alguns dia depois cheguei até as Ruínas de Tulor, indo de bicicleta.)
(Fotos: Hugues na encosta do vulcão / Rumo à Aldeia de Tulor via leito de rio seco / "Está lloviendo en Bolívia!" / Vista rumo ao mirador (esquerda e direita) / No caminho do mirador dos Altos de Chulacao / Monumento em cruzes)
(set/2010)
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