quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O Gol Mil do Pelé

Eu tinha 13 anos de idade no dia 19 de novembro de 1969, quando Papai me levou ao Maracanã para assistir àquele Vasco da Gama x Santos.

O País vivia há semanas a sensação do Gol Mil do Pelé (era assim que era chamado, e não "Milésimo Gol" ou qualquer outra variante). Todos acompanhavam a contagem regressiva. Quando chegou a 999, a expectativa transbordou. Mas o gol não saía.

Antes daquele confronto contra o Vasco, o Santos jogou contra o Bahia. Mas o gol não saiu, tendo o Pelé inclusive chutado uma bola no travessão (houve quem o acusasse de ter mirado na trave só para que o Gol Mil acontecesse no Maracanã!). E a torcida do Vasco foi presenteada com o jogo mais esperado do ano.

Meses antes o Papai tinha vaticinado: - "Vai ser contra o Vasco". Eu era um tremendo fã do goleiro vascaíno, o argentino Andrada, uma muralha de encher os olhos de qualquer torcedor, e principalmente os de uma criança. O único goleiro tão bom quanto ele era o Andrada de chumbo de meu time de botões!

Jogo à noite. Foi uma das poucas vezes que me sentei no lado oposto ao habitual da torcida do Vasco, e ainda assim estava cercado por torcedores do Vasco. Ou talvez não: não sei dizer quantos daqueles (oficialmente) 65 mil torcedores eram cruzmaltinos; à época, me pareceu que todos eram. O Vasco abriu o placar no primeiro tempo, e o Santos empatou no início do segundo. Próximo ao final do jogo, quando parecia que mais uma vez o Gol Mil não sairía, penalty contra o Vasco! Ele não queria bater, mas a torcida urrava: -"PELÉ! PELÉ!". Eu era criança, e não queria ver o Vasco perder. Não queria que ele fizesse o gol (o que mostra como é raso o raciocínio de uma criança). Mas Pelé foi convencido, talvez até para acabar com aquela expectativa que deixava a ele, ao time do Santos, às torcidas e a todo o País em total ansiedade. Na hora de cobrar, todo o time do Santos ficou atrás do meio campo! E se o Andrada rebatesse?

Antes da cobrança. Andrada passeia abraçado a Pelé na entrada da grande área, e conversa com ele em um intrigante tête-à-tête. Fiquei curiosíssimo (e até hoje ainda sou) sobre o que o goleiro do Vasco - pois só ele falava - estaria dizendo para ele.

Excitação domada, a torcida se senta. Pelé cobra o penalty: Andrada se estica todo, e quase agarra! Mas é gol, e a torcida pula, grita GOL!, pela primeira - acho que única - vez na vida eu vejo a torcida do Vasco comemorar um gol que o time sofreu, pela primeira e única vez na vida eu fico sentado na arquibancada vendo um monte de bundas pulando quarenta centímetros à minha frente. E é claro que me levanto também.

Depois de muita festa, antes do jogo recomeçar, soam os auto-falantes do Maraca (a sonoridade com eco dos auto-falantes do Maracanã é inesquecível, quem a ouve uma única vez se lembrará para sempre, quem ouve milhares de vezes passa até a anunciar alterações em jogos de futebol de botão com a mesma entonação):
- "SUDERJ IN-FOR-MA! SUBSTITUIÇÃO NO SANTOS: ENTRA FULANO; SAI..."
Suspense. O Radialista se alonga na pausa, propositadamente demorando para dar a informação que vai acabar com o jogo:
- "... PELÉ!"

A torcida do Vasco não se importou com a derrota (só eu); e hoje me orgulho de ter presenciado aquele momento. Durante anos o Papai carregou na carteira o ingresso do jogo, para pegar nele um autógrafo do Pelé no dia que o encontrasse. E eventualmente o Papai realmente o encontrou; mas esta já é uma outra história...

(out/2010)

37 comentários:

  1. Boa, Márcio. Queria eu ter vivido essa época no Maraca.

    (depois entra no meu Blog, sobre futebol, obviamente... inclusive fomos premiadas com o Blogbooks, e viraremos livro!)

    Beijão!

    ResponderExcluir
  2. Marcio, ver o gol mil realmente deve ter sido emocionante!

    ResponderExcluir
  3. Uma daquelas bundas pulando à sua frente me pertence... 🎉🍀⚽️🏅

    ResponderExcluir
  4. Brilhante texto, como sempre.
    Não estava lá, mas me lembro de tudo!
    RIP Andrada!

    ResponderExcluir
  5. Que texto!!! Deu para participar um pouco do momento! Obrigada

    ResponderExcluir
  6. Você é um escritor fantástico Márcio Guedes ! Me vi sentada na arquibancada gritando gol !

    ResponderExcluir
  7. Muito bom. Repito aqui o twitte do Macron: O Jogo. O Rei. A Eternidade.
    Que sorte a minha ser santista e poder passar de bicicleta em frente a casa dele no Canal 7 várias vezes no dia. Nunca o vi lá, mas bastava passar ali para me sentir perto do Rei.

    ResponderExcluir
  8. Deve ter sido fantástico!! Que privilégio!!

    ResponderExcluir
  9. Bela história para se contar.

    ResponderExcluir
  10. Que lembrança, hein ??

    ResponderExcluir
  11. Na CSU, recomendei ao big boss o patrocínio do filme Pelé Eterno, que foi um golaço.

    ResponderExcluir
  12. Que lembrança !!!

    ResponderExcluir
  13. Fantástica essa crônica!

    ResponderExcluir
  14. Que sorte a sua ter presenciado esse momento historico no futebol! Texto impecavel!

    ResponderExcluir
  15. Que texto mais encantador, Guedes!

    ResponderExcluir
  16. Eu também estava lá e também vi de pertinho. Tinha 9 anos e me lembro nitidamente.

    ResponderExcluir
  17. Muito bom o texto.
    Eu não estava lá, mas vi pela televisão.

    ResponderExcluir
  18. Adorei!!!!
    A torcida comemorou mesmo?

    ResponderExcluir
  19. Muito bom!
    Adorei essa narrativa.
    1000!

    ResponderExcluir
  20. Lindo texto, Sr. Marcio!

    ResponderExcluir
  21. Eu também estava lá! Nessa época, mesmo sendo Flamengo, meu ídolo maior no futebol era o Pelé e consegui que me levassem ao jogo. Foi inesquecível!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito bom ler a sua descrição / crônica, com a riqueza de detalhes que nos remetem ao Estádio, no momento do gol.
      Forte abraço.

      Excluir
  22. Olá Marcio
    Bela narrativa de um evento inesquecível!

    ResponderExcluir
  23. Só faltou dizer que o penal foi no mínimo duvidoso. Pelé tb era mestre em cavar faltas.

    ResponderExcluir
  24. Belo texto, amigo!!

    ResponderExcluir
  25. Eu também estava no Maracanã e não comemorei porra nenhuma. Fiquei puto! Não via honra alguma em ter o meu Vasco, a triste sina de entrar para a história, por levar o milésimo gol do Pelé.
    Em 1969, eu queria mesmo é o título carioca, que não vinha há 13 anos, e poder, enfim, gritar, "É CAMPEÃO!". Nunca, jamais, em tempo algum, quis ser atingido por aquela "maldição" do gol 1000.
    Acima de tudo, não queria que o _Milonguero_ Andrada - o maior goleiro que até hoje já vi atuar pelo Vasco - fosse o escolhido para levar aquela bola do (Edson).
    Se a memória não me falha, depois de um '68 em que fizemos boa campanha no Carioca, mas fomos massacrados pelo Botafogo na final, o ano de 1969 foi medíocre, como tantos outros durante a *nossa* infância. O Santos era um time superior e o favorito no jogo.
    Mas, o Vasco fazia uma boa partida e tinha em Renê - um zagueiro normalmente irregular e artilheiro em gols contra - um marcador limpo e implacável de Pelé naquela noite. Renê chegava em todas e não deixava o Rei jogar.
    Até que o juiz viu uma falta, dentro da área, sobre Pelé e pressenti, em desespero, mais uma decepção do menino torcedor.
    Para mim, a maior recordação daquela noite, já com a rede balançada, são as espalmadas de raiva de Andrada no gramado do Maracanã, seguidas de sua completa desolação por ter chegado (e tocado) na bola, com fração de segundos de atraso. O gato saltou, deu o bote certo, se esticou todo, mas perdeu uma vida ali...
    Que descanse em paz nosso querido e saudoso argentino, de Rosario, que também foi o paralelepípedo que defendia minhas traves no futebol de botões.
    (Acho que já enviara estas minhas lembranças do Gol Mil, quando morreu Edgardo Norberto Andrada)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. "Pelé cobrou. Eu bati na bola, mas não consegui defender. Depois, com o tempo, as coisas foram mudando. Eu me acostumei com o fato e hoje convivo de uma forma muito gostosa com aquele milésimo gol." (Andrada)

      Excluir
  26. Guardo boas recordações do Andrada, goleiro do meu time de botão. Naquela noite, eu torci por ele. Me lembro que achei a marcação do penalty bastante rigorosa. Rigor compreensível em uma pessoa que teve uma única oportunidade de entrar para a história.

    ResponderExcluir