21/maio/2013, Teatro Bradesco (SP)
Praticamente não houve anúncio. Vi certa vez um
documentário que explicava que na selva nenhum animal pode dormir
profundamente, pois certamente será (desagradavelmente) surpreendido. Pelo
jeito, na cidade grande também não dá: quando você descobre, o show já foi. Fato
é que STEVEN WILSON, faz-tudo e muro-de-arrimo do PORCUPINE TREE (uma das poucas
grandes Bandas Progressivas recentes) se apresentaria em São Paulo em uma noite
de segunda-feira.
Como o profundo conhedor e Amigo Aldo é fã inconteste e
inveterado da banda (e apaixonado pelo Steven Wilson, incansável produtor
batalhador remixador e resgatador do material progressivo de outras bandas) e o
Sr. Star também gosta do Porco-Espinho, a oportunidade pareceu ser uma
obrigação. Impus uma condição: só iria no lugar mais barato, uma frisa no 3º
andar ao módico preço de 1 galo. Estrella topou, e lá fomos nós de moto.
O que aconteceu com nossos ingressos fica como um
well-kept secret; pergunte diretamente ao Estrella ou a mim. Só adianto que foi
coisa boa - e uma lição para o futuro...
O show começou pontualmente, e a meia hora inicial foi
nada menos do que INSUPORTÁVEL. A coisa mais pretensiosa que já vi:
instrumentos ligados e em silêncio no palco deserto, ao fundo uma projeção em
preto-e-branco de uma foto de um Planeta, na frente do qual passavam algumas
nuvens em câmara lentíssima. O som ambiente era algo que Estrella descreveu
como “Kitaro com diarréia”. O Planeta se transformava lentamente em uma máscara
(como na capa do disco) e voltava, vagarosa e interminavelmente. Com 15 minutos
de execução (que pareceram duas horas) ninguém agüentava mais, e começaram
palmas e em seguida apupos. Foi todo mundo ficando PUTO e começando a xingar. Aquilo
deveria ser um preâmbulo durante a entrada das pessoas no Teatro, e não um
início de gig. Após uma eternidade de mais 15 minutos entram os músicos, sob
palmas efusivas - ou melhor, aliviadas - da audiência que não lota o Teatro.
Início muito bom, pesado, limpo, bem executado, instrumental perfeito, muito
bom mesmo!
Começa a segunda música, e Steven interrompe o show: -
“STOP!”. As luzes se acendem, ele se dirige ao microfone e à plateia: -“Sorry
guys, this is a disaster, it’s all screwed up. Can we, uh, RESTART
the show?” Aponta para
o baixista e diz: - “And it is YOUR fault!”
A platéia não sabe o que manifestar, eu grito
-“NOOOOOO!”, troçando com o medo de um repeteco daquela meia hora que durou vinte.
Mas o cara COMEÇA O SHOW DE NOVO, e aí já estamos envolvidos pela música e dá
para ver que É MUITO BOM.
(Nota: fiquei com a impressão de que esta parada pode ter sido
armação para desconcertar ou capturar a platéia. Porque a verdade é que a
segunda execução daquela primeira música foi diferente da primeira versão: por exemplo, não teve o longo solo de
teclados de Mr. Wilson. Uma interrupção dramática... e programada. Fica todo
mundo achando admirado: “nossa, quanto perfeccionismo!”)
Prossegue o show. Um guitarrista excelente, som
altíssimo, distorção e peso na medida. Um dos shows mais altos que já ouvi,
todos os órgãos do corpo vibram. SW se comporta como um Maestro, passeando
descalço e sem parar pelo palco, e tocando ora guitarra, ora baixo, ora
bateria. Ás vezes só canta e às vezes não faz nada, fica sentado olhando. Um interessante
side effect de shows ao vivo é que a expectativa te leva a re-ouvir os discos
da Banda. Em função de shows recentes eu voltei a ouvir a discografia do Nektar
e do Porcupine Tree; e desde já estou ouvindo Black Sabbath, em preparação para
a gig dentro de 5 meses.
- “É... muitcho... bom... extar de volta aqui nechte
país... (longa pausa, gestos pedindo paciência)... ma... ra... vi... josso!”
E completou:
E completou:
- “Uff! This
took me HOURS of rehearsal!”
A base do show é o disco solo “The Raven that Refused
to Sing”, que parece ser muito bom (mas infelizmente será impossível ouví-lo em
casa na mesma altura...). Alguns trechos remetem a Genesis “Trespass”, outros a
“Supper’s Ready”. Um pedaço eu JURO que era “Stairway to Heaven”! Às vezes no
entanto fica excessivamente barulhento, ou como praguejava Mr. Star: - “Isto aí
é DREAM THEATER!” É isto aí, Aldo: você conseguiu fazer o Estrella assistir o
DT...
- “Did you
ever have the strange feeling that you went to a Disco party and you’re the
only one dancing? That’s how I feel playing to a seated audience. It’s weird!
It’s a rock’n’roll show! Sort of... So, if you’d like to, stand up!”
Metade da audiência se levantou. Quem estava sentado
mais para trás, na parte inclinada da platéia, pôde optar por continuar sentado/a
com a visão primorosa do show primoroso. Era possível ir à frente e retornar ao
confortável assento onde o som estava mais bem distribuído. Diversas formas de
assistir a um show simplesmente sensacional.
Todos se abaixam para o solo de teclado, como ocorreu
na véspera no solo de bateria do David Jackson & Alex Carpani Band na
Virada Cultural.
Eu tinha resistência a Steven Wilson e Porcupine Tree
por imaginar que seria muita guitarra e pouco teclado - um mal de Bandas "Progressivas" cujo cara principal é guitarrista - mas me enganei. A “tecelagem”
de teclados é quase onipresente.
Baixa uma tela semi-transparente na frente do palco e
os músicos contnuam tocando atrás, sendo vistos de forma difusa. Este recurso
já foi (melhor) exploado pelo NINE INCH NAILS na excursão “Live Beside You In
Time”. Mas é sem dúvida um belíssimo efeito.
- “The
next song is composed of many long and
very pretentious moments of silence NOT intended to audience participation. So,
in case you have something to say or scream, please do it now.”
- “You are
mentioning names of songs I don’t know!”
Um gaiato a meu lado grita:
- Toca Raul!!!”
SW conversa bastante com a platéia, explica a história
de cada música; foi extremamente simpático e acessível durante toda a
apresentação.
Na hora do bis, Steve anuncia:
- “I don’t
have any hits (gargalhadas) and this is a GOOD thing, because I can play any
fucking thing that I want! I have many solo works under many names, among which
the first three Porcupine Tree records (delírio). Porcupine Tree started as a
solo project - like this, today.”
E manda uma música que faz a galera sing along aos
urros.
Continuo com minha opinião de décadas: a Música
Progressiva é a EVOLUÇÃO da Música Clássica. Em entrevista dada em 2012, Clem
Burke (baterista do BLONDIE) comentou (em interpretação livre) que “o Rock é o
Jazz atual. Se tornou uma coisa de nicho, de gueto; é boa e tem seus seguidores
fiéis, mas não é mais o mainstream, e não irá muito além disto”. O Rock
Progressivo é ainda mais nicho e gueto, coisa de nerd terminal; é portanto com
imensa satisfação que encontro um novo veio (embora com muita coisa exagerada e
desnecessáriamente cacofônica, como diz a 7-yr old Fernanda Estrella).
Com duração superior a 3 horas, este foi meu 4º
(excelente) show em menos de 48 horas. É possível que o fim da gig tenha sido
igual à meia hora inicial, com a projeção e o som ambiente “music for
elevators” que ouvi já de dentro do banheiro.
Esteja você em
Baltimore, San Luis Obispo, Lisboa, Florianópolis, Rio de Janeiro, Miami,
Júpiter ou wherever, se vir o anúncio não deixe da assistir ao show do Steven
Wilson. Com ou sem o Porcupine Tree.
A resenha está simplesmente PERFEITA! Parabéns Guedes, que escrita perfeita.
ResponderExcluirGuedes,confesso que comecei a ler o "post pós show" interessada na "menção a filhota". Terminei baixando algumas músicas do show na minha playlist. O texto é muito bom, interessante, envolvente, Incrível. Congrats.
ResponderExcluirSil!