quinta-feira, 10 de abril de 2014

Deu Branco


Estou conversando com um Amigo, talvez bebendo um pouco, ou talvez não seja tão pouco assim. A alturas tantas preciso acessar meu celular, seja lá por causa de qual dos três mil motivos que temos ao longo do dia para acessar um celular. Olho para a tela de bloqueio da mesma forma que a olho outras três mil vezes ao longo de um dia, mas desta vez é diferente: não tenho a menor idéia de qual seja a minha senha. Deu branco.

Um branco pavoroso. Veja bem, tenho este celular há 18 meses, já o devo ter desbloqueado mais de dez mil vezes (*), a senha é a mesma do celular anterior e do antes dele. Mas olho para aqueles dígitos como se fosse um analfabeto, não me fazem o menor sentido.

Tento em desespero uma seqüência de números, “ballpark” puro, mas é claro que está errado. A absolutamente terrível impressão que tenho é que jamais conseguirei acessá-lo novamente. Aqueles números desapareceram para sempre em um vácuo de minha memória falha. Ou melhor: de minha memória que começa a falhar. É nada menos do que aterrorizante.

E então desaba sobre mim todo o peso da crueldade que é exigir um cérebro perfeito de pessoas cuja memória não esteja mais em perfeito funcionamento. Sempre achei que se tratava de desatenção, falta de interesse, distração... e sempre reagi furioso. A fúria do ignorante. Pois vejo agora - sinto por dentro - que não é nada disto. É um branco, um vazio, um void dentro da sua cabeça. Uma informação que já esteve lá, que é crucial, e que desapareceu para sempre, que se tornou um nada como se nunca houvesse existido. Entendo como minha abordagem a esta situação com os outros sempre foi tosca, pobre, mirim. Indigna. Fico arrasado comigo.

Aprendida a lição - ou ao menos exposta a mim - a lembrança da senha retorna. Faz “plim” e destrava, tão simples como isto. Talvez tenha sido um primeiro e leve sinal de um Alzheimer vindouro. Talvez eu não estivesse bebendo tão pouco assim.

Talvez tenha sido uma lição cósmica.


(*) 18 meses x 30 dias/mês x 20 acessos/dia. Não foi um “ballpark” puro. (Além dos desbloqueios dos celulares anteriores!)

Nomes alternativos para este texto: “Tela de Bloqueio”, ou então “Brain Cloud”. A imagem postada é do filme “Joe Contra O Vulcão”, no momento que Joe Banks / Tom Hanks é informado que tem uma “brain cloud”.

(em 05/abr/2014)

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