Estou conversando com um Amigo, talvez bebendo um
pouco, ou talvez não seja tão pouco assim. A alturas tantas preciso acessar meu
celular, seja lá por causa de qual dos três mil motivos que temos ao longo do
dia para acessar um celular. Olho para a tela de bloqueio da mesma forma que a
olho outras três mil vezes ao longo de um dia, mas desta vez é diferente: não
tenho a menor idéia de qual seja a minha senha. Deu branco.
Um branco pavoroso. Veja bem, tenho este celular há 18
meses, já o devo ter desbloqueado mais de dez mil vezes (*), a senha é a mesma do celular anterior e do
antes dele. Mas olho para aqueles dígitos como se fosse um analfabeto, não me
fazem o menor sentido.
Tento em desespero uma seqüência de números, “ballpark”
puro, mas é claro que está errado. A absolutamente terrível impressão que tenho
é que jamais conseguirei acessá-lo
novamente. Aqueles números desapareceram para sempre em um vácuo de minha
memória falha. Ou melhor: de minha memória que começa a falhar. É nada menos do
que aterrorizante.
E então desaba sobre mim todo o peso da crueldade que é
exigir um cérebro perfeito de pessoas cuja memória não esteja mais em perfeito
funcionamento. Sempre achei que se tratava de desatenção, falta de interesse,
distração... e sempre reagi furioso. A fúria do ignorante. Pois vejo agora - sinto
por dentro - que não é nada disto. É um branco, um vazio, um void dentro da sua
cabeça. Uma informação que já esteve lá, que é crucial, e que desapareceu para
sempre, que se tornou um nada como se nunca houvesse existido. Entendo como
minha abordagem a esta situação com os outros sempre foi tosca, pobre, mirim.
Indigna. Fico arrasado comigo.
Aprendida a lição - ou ao menos exposta a mim - a
lembrança da senha retorna. Faz “plim” e destrava, tão simples como isto.
Talvez tenha sido um primeiro e leve sinal de um Alzheimer vindouro. Talvez eu
não estivesse bebendo tão pouco assim.
Talvez tenha sido uma lição cósmica.
(*) 18 meses x 30
dias/mês x 20 acessos/dia. Não foi um “ballpark” puro. (Além dos desbloqueios
dos celulares anteriores!)
Nomes alternativos
para este texto: “Tela de Bloqueio”, ou então “Brain Cloud”. A imagem postada é
do filme “Joe Contra O Vulcão”, no momento que Joe Banks / Tom Hanks é informado que tem uma “brain cloud”.
(em 05/abr/2014)
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