terça-feira, 8 de abril de 2014

O Arqueólogo


Ele estava em estado deplorável e terminal, algo como embriagado ao limite - mas não era possível dizer qual substância havia ingerido.

Talvez tenha sentido vontade de desabafar com alguém, vomitar, enfim: expor a alguém desta Era a sua estupefação. Eu estava ali, e já tinha tido algumas conversas descambadas para a filosofia com ele. E assim, por puro acaso, acabei ouvindo seu desabafo.

Confessou-se um Viajante, um Estudioso, um Arqueólogo. O único de seu Tipo, as far as he knew. Oferecera-se e foi escolhido para fazer uma curta viagem e conhecer a Raça Humana antes daquilo que chamava de “A Evolução”. Quando ainda era composta por homo sapiens individualistas, egoistas, auto-centrados, belicosos, ignorantes.

Estava destruído pela forma com que tratamos nossos semelhantes. Com o descaso e o abandono. Sim, haviam estudado a barbárie anterior à Evolução, mas parecia ser exagero. Não era, e o que ele encontrou era incompreensível, inadmissível, inaceitável. Insuportável.

Não tinha como se comunicar com sua própria Era, que nem era tão distante. Sempre soubera disto, mas aceitara o afastamento irreversível. A única coisa que lhe preocupava então era o cuidado em manter seus registros arqueológicos no meio combinado, onde seriam encontrados e viriam a ser importantes e esclarecedores. Estarrecedores.

Perguntei se poderia divulgar sua história, ele me perguntou “para quê?” mas autorizou, com uma única condição - que até hoje eu cumpro.

Nunca mais voltei a saber dele. Desapareceu no Mundo, e não faz parte de nenhuma Rede Social. Mas não se passa um único dia sem que me lembre de sua história. Sem que imagine quão distantes ainda estamos d’A Evolução.

Ou sem que compartilhe o seu Horror.

(em abr/2014, ainda distantes d’A Evolução)

(Com uma pequena referência ("near-man") ao grande Dick de Philip K.)

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