terça-feira, 6 de julho de 2010

Camisa de Onze Varas

Aconteceu em meu Caminho de Santiago, em junho de 1996.

Ao final da caminhada diária eu sempre lavava 4 peças de roupa usadas durante os "trabalhos": camiseta, cueca, meias e o lenço. Eu as estendia nos varais comunitários junto à toalha de rosto / banho (lembre-se portanto de levar pelo menos 10 pregadores quando for peregrinar). Lavava as peças em minúsculas pias de refúgios, desajeitadas, incômodas, a torneira atrapalhava, ficava com dores nas costas, um verdadeiro perrengue. Durante as caminhadas ao longo do dia via lavadeiras lavando seus róis de roupa nas beiras dos rios, em enormes pedras ao sol, ou então em grandes tanques de lavagem de roupa. Ficava com inveja delas: eu lavando roupa naquelas tinas minúsculas dentro de banheiros com cheiro de peregrino, e elas ao ar livre no Sol com muitíssima água correndo e ar puro e espaço.

A noite em que completei 40 anos foi desastrosa. Muitos peregrinos não tomam banho, e caí em um refúgio com uma desagradabilíssima concentração destes suínos. Tamanho era o fedor durante a noite que fui forçado a trocar de cama no meio da madrugada, pois era impossível respirar (e portanto dormir).

Por outro lado, o refúgio seguinte foi mágico. San Juan de Ortega é um Mosteiro construído entre nada e coisa nenhuma, são 20km antes e 20km depois sem absolutamente nada, seriam 40km sem qualquer suporte de civilização para os peregrinos, então foi construído o Mosteiro para nos dar condição de continuidade.

Cheguei a San Juan de Ortega por volta de 14hs, e surpresa: um enorme tanque de lavar roupa no meio do pátio! Lavei minhas peças feliz da vida, em um puta tanque com lugar para esfregar a roupa, debaixo de um espetacular Sol, e com 40 anos e 1 dia de idade. Estava muito feliz.

À noite, depois da Missa e de um tour conduzido pelo próprio Padre pelas obras de arte e catacumbas do Mosteiro - um privilégio peregrino - um momento especial: para jantar o Mosteiro oferece uma sopa de alho, mas o restante da refeição é fornecido por todos nós peregrinos. Cada um apresenta o que trazia de comida em sua mochila, fica tudo junto exposto em uma enorme mesa, cada um se serve do que desejar, é uma "Comum União", a verdadeira Comunhão. Lá depositei chocolate suíço e jamon crudo. Comemos com a alma enlevada.

Após o jantar, o Padre nos convida a falar sobre alguma coisa que nos tenha marcando no Caminho. E falei da lavagem de roupas, contei das dificuldades e das lavadeiras, e de como tinha ficado feliz por simplesmente ter um tanque grande para lavar minha roupas. -"Se estivesse em casa eu provavelmente estaria querendo uma TV maior, um carro mais possante, ou um computador mais poderoso. Mas aqui estou feliz simplesmente por ter um tanque grande para lavar a s roupas", concluí.

E o Padre disse:
- "Grande lição. Aqui na Espanha temos um ditado: 'os homens se vestem com camisas de 11 varas'", explicando que a vara é uma medida. Onze varas não é nada desmesurado, disse ele, mas é algo que certamente ficará grande em qualquer um.

No dia seguinte pela manhã, antes da partida ele oferece no desayuno um forte café misturado com vinho, "para ayudar em su caminada". Realmente este café com vinho foi tão eficiente que mudou meus hábitos matinais de expresso, zumo de melocotón ou coca-cola: passei a incluir religiosamente uma canequinha de vinho ("só uma, nunca duas", explicou o Padre; "uma dá um 'up', duas deixa tonto") em minha dieta quando começava a me cansar, lá pelas 11 da matina. Sempre funcionava esplendidamente. Mas esta já é uma outra história...

A moral desta história: Nos vestimos com camisas de onze varas.

(jul/2010)

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