quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Bio-Piloto


Em 1978, o americano Stephen Leigh escreveu a noveleta “When We Come Down” (“Quando Descemos”), que foi publicada na coletânea “Asimov’s Choice: Extraterrestrials & Eclipses” organizada pelo Profeta Isaac (no Brasil: “Asimov: O Melhor da Ficção Científica”).

No conto, o personagem principal é um Bio-Piloto (BP), que são seres humanos que foram submetidos a diversas intervenções cirúrgicas que lhes alteraram as características básicas. Um BP recebe enxertos espinhais através de tomadas de entrada na nuca; seu cérebro, sistemas nervoso e somático, sua motricidade, tudo é alterado de forma a ser acoplado / conectado ao sistema de controle de uma nave espacial, formando com ela uma singularidade.

Os Bio-Pilotos são vistos como aberrações, pois caminham claudicantes, curvados e de forma trôpega, tendo pouco controle motor quando seus corpos estão sob a gravidade dos Planetas; são considerados repulsivos, aleijões, corcundas e aberrações. São hostilizados e ridicularizados. Ganham fortunas, mas pagam o altíssimo preço da segregação.

Tudo se transforma, no entanto, quando estão conectados a suas naves, e no comando delas: “Uma vez ligados, somos mais mente presa a metal frio do que carne viva”. O BP é o cérebro da nave espacial, e “sente” tudo o que ela registra, tem plena consciência de cada um de seus sensores, radares, cada junta, cada reservatório, cada sistema de alimentação. Quando estão integrados a suas naves e viajando pelo Espaço é quando se tornam senhores de si, com os sentidos amplificados e alavancados pela brutal força mecânica. São finalmente livres. Uma nave com um Bio-Piloto é um ser vivo. Detectam todo o cosmos a milhares de quilometros de distância. Voam como queiram, sem nenhum controle além de suas próprias consciências e desejos, à velocidades estrondosas, e sem que ninguém lhes possa comandar - são naves vivas. É em vôo que finalmente são felizes, sozinhos, isolados, em silêncio, infinitamente distantes dos comentários mesquinhos daqueles que não os entendem e os ridicularizam. Estão limitados apenas pelo Universo.

Li este conto com cerca de 23 anos, e jamais o esqueci. E até hoje, em todas as vezes em que ando de moto - sem garupa - sinto o prazer de me transformar em um Bio-Piloto.


(Nota - O início do conto dá a deixa para o título e uma medida de seu tom sombrio:
“Por alguma estranha razão, parece ser sempre noite quando descemos. Criaturas das trevas, nós: rindo e gritando para anunciar nossa presença indesejável para a neblina noturna e as fachadas vazias a nossa volta. Não somos das mais graciosas criaturas terrestres. (...)”)


(SP, nov/2013)

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