sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Manifesto Bípede


“A diferença que existe entre andar de carro ou de moto é a mesma
     diferença que existe entre andar em 4 patas ou em 2 patas.”
     (Marcio Guedes)

Uma viagem a países asiáticos dá a exata dimensão de como o Brasil está atrasado em sua política de transportes "intracity".

Em muitos países da Ásia, a movimentação sobre duas rodas tem sempre prioridade sobre a movimentação em quatro. Assim, em ruas com (p. ex.) 5 pistas, 3 delas são dirigidas às motos e apenas 2 para os carros, ônibus e caminhões. O resultado prático desta medida é tremendamente eficaz: sem medo de serem abalroadas pelos desajeitados veículos grandes, as pessoas migram em massa para os biciclos! E assim o que se vê é uma profusão de senhoras, crianças, jovens, adultos, trabalhadores, e todo o tipo de gente andando em scooters, motos pequenas e bicicletas, trafegando céleres, incólumes e em massa pelas largas avenidas. E mais, sem necessidade de usar capacete, pois o trânsito intenso ocorre sempre a baixa velocidade, ininterrupto e praticamente sem acidentes. Não são motos grandes, pelo contrário; e até mesmo os carros, caminhões e ônibus são civilizadamente reduzidos. Todo mundo tem sua scooter e a utiliza civilizadamente, e aqueles que precisam usar o carro vão para a pista lenta, a pista dos quatro-rodas. É uma minoria.

No entanto, embora o Brasil seja pobre como uma Índia, tentamos aparentar ser ricos como os Estados Unidos. Veículos enormes, desproporcionais, dispendiosos e inúteis - a não ser para quem tem necessidade de se exibir para pessoas que se impressionam com isto. O luxo de poucos sobre as dificuldades de muitos. Priorizar o transporte em quatro rodas é algo tão estúpido quanto uma cidade do Velho Oeste onde a primazia fosse das charretes, carroças e carruagens, e não dos cavalos. O escoamento de biciclos por pistas exclusivas é imensamente mais eficiente do que o escoamento de quadriciclos, mas o que temos aqui é uma política burra e assassina de deixar motos e scooters (e agora as bicicletas) espremidas entre os carros, ônibus e caminhões, se sacrificando para tentar ensinar alguma lucidez.

Imaginemos se todas as motos passassem a ocupar cada uma o espaço de um carro: o trânsito iria parar completamente. Agora imaginemos se todos os carros passassem a ocupar cada um o espaço de uma moto: o trânsito iria fluir completamente. Um raciocínio simples que mostra a direção a seguir. Mas no Brasil o transporte inteligente e que ocupa pouco espaço é malvisto, mal gerido e desincentivado - o que mostra o alcance do cérebro de nossos “rulers”.

É claro que ululam argumentos a favor do conforto, do comodismo e da preguiça; afinal, o malfeito é muito mais fácil e menos trabalhoso do que o bem-feito. Mas tais raciocínios defendem o individualismo (do rico), e não a necessidade da maioria.  

Um dos sintomas de maturidade que aguardo desde sempre é que algum dia o bom-senso e a inteligência prevaleçam sobre o interesse financeiro (não é difícil vislumbrar quem são os que ganham com o favorecimento dos carros sobre veículos de duas rodas, ferrovias e transporte fluvial). Creio que aguardo em vão.

Um argumento favorável aos carros que eventualmente se ouve: “moto é uma coisa feita para cair”. Ora, trata-se do mesmo argumento usado pelo boi para defender que se ande de quatro!

O futuro é este. O tempo que levaremos para chegar a ele dará a medida de nosso atraso.

(nov/2013)

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