sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O Soldado de Deus

Manhã de domingo, aniversário de 80 anos de meu Tio. Estou elegantemente trajado, carregando um presente, parado na rua quase deserta aguardando o transporte que me levará ao evento comemorativo.

Um homem pára na calçada exatamente à minha frente, de frente para mim a 1 metro de distância, e fica me encarando no rosto. Já estou habituado às solicitações de rua; dou portanto um passo para trás e dois para o lado, me afastando dele, e digo:
- "Não, obrigado."

Repetindo uma situação que vivenciei mais do que uma vez na Índia, o cara começa a gritar.
- "Quem você pensa que é? Acha que é mais importante do que DEUS?!?"

Ele berra cada vez mais descontrolado:
- "Você está perdido!"

Joga uma Bíblia no chão a meus pés, e urra:
- "Se dependesse de você, você queimaria isto, não é?!?"

Tento responder:
- "Eu não queimo nada. Estou quieto aqui, e é você quem está me agredindo."

Mas o cara não ouve nada que não sejam suas próprias palavras sagradas. Pega o livro do chão e quase o esfrega em minha cara, transtornado:
- "POIS SAIBA QUE PARA MIM ISTO É MAIS IMPORTANTE DO QUE OURO! É MAIS IMPORTANTE DO QUE ESTAS SUAS ROUPAS!"

Peso a possibilidade de passar à agressividade e responder -"Você é do Mal", mas o cara está tão esbugalhado e descontrolado dentro de seu mundinho que seria o mesmo que tentar dialogar com vespas que tenham montado um ninho em seu banheiro. E opto por ficar quieto, impávido colosso.

Isto apenas irrita ainda mais o homem, que a esta altura se sente um templário investindo contra as forças do Mal.

Ele vai se afastando, vociferando à distância:
- "ALGUM DIA VOCÊ VAI PROCURAR DEUS. E NÃO VAI ENCONTRAR!..."

Me quedo imaginando quantas vezes em nossas vidas não nos comportamos exatamente como este Soldado de Deus, que de dentro de seu ponto de vista está coberto de razão, e fazendo o Bem.

Fico imaginando também o quanto ao longo da História e até os dias de hoje os pregadores, missionários e evangelistas não extrapolaram e ainda extrapolam suas missões, tentando cimentar pontos de vista unidimensionais sobre pessoas que têm outros interesses. Será que os Apóstolos eram deste tipo de intruso?

Quantas vezes não achamos que estamos absolutamente certos e cobertos de razão, e na verdade estamos apenas sendo chatos com uma visão pequena e maniqueísta?

Ver os erros dos outros - especialmente os mais agressivos e flagrantes - deveria principalmente nos ajudar a melhor enxergar os nossos próprios.

Por nossa culpa, nossa culpa, nossa máxima culpa.

(set/2010)

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