terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Os Primos dos meus Pais


Para mim sempre foi uma tremenda confusão nas reuniões de Família reconhecer quem eram os primos de meus Pais. Identificava-lhes os rostos, e até lembrava-lhes os nomes quando eram mencionados - mas jamais consegui associar os nomes aos rostos, ou saber precisar as relações consangüíneas. Era um oceano profundo, denso, obscuro e misterioso no qual eu perigava naufragar na impolidez caso fosse questionado quanto a nomes ou parentesco. Neste quesito, nas reuniões de Família eu vivia em sobressalto.

Atualmente identifico o mesmo estupor nos filhos e filhas de meus Primos. Olham para mim como algo que já viram, me enxergam através da bruma sem saber precisar exatamente o que estou fazendo naquela casa ou festa que lhes é de domínio familiar.

Portanto, meu Caro / minha Cara, não se iluda: os filhos e filhas de seus Primos NÃO SABEM quem você é! Têm uma noção vaga que você vaga por eventuais eventos familiares, mas ignoram de quem se trata. Se você nunca mais aparecer por lá, não lhe notarão a falta.

Desta forma, jamais coloque os infantes na saia justa de perguntar qual é o seu nome, ou se sabem qual o seu parentesco com a Família deles. Você foi poupado desta situação embraçosa; é chegada a hora de retribuir!

(jan/2014)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Atestado de Falência


No relatório “Working for the Few” publicado em 20 de janeiro de 2014 (e amplamente divulgado), a OXFAM britânica constata que o patrimônio das 85 pessoas mais ricas do Planeta equivale ao patrimônio da metade mais pobre, ou cerca de 3,6 BILHÕES de pessoas (*).

Em notação matemática:
85 = 3.600.000.000

Honestamente, não consigo imaginar constatação mais triste, deprimente ou POBRE do que esta.


(*) Nota - a grande maioria das publicações comentou como sendo “3,5 bilhões de pessoas”, o que representa um erro grosseiro. O que a OXFAM escreveu foi “a metade mais pobre”; e quem estiver atualizado - esperaria que jornalistas estivessem! - sabe que a população da Terra já superou 7,2 bilhões. Vide:

Nota 2 - alguns dados do relatório:
- Riqueza total da população do Planeta: US$ 220 trilhões
- Patrimônio dos 85 mais ricos, igual ao dos 3,6 bilhões mais pobres: US$ 1,7 trilhões
De onde se conclui que:
- Patrimônio médio dos habitantes do Planeta: US$ 30,6 mil per capita
- Patrimônio médio dos 85 mais ricos: US$ 20 bilhões per capita
- Patrimônio médio dos 3,6 bilhões mais pobres: US$ 470 per capita
E a notação correta (aproximada) é:
85 x US$ 20.000.000.000 = 3.600.000.000 x US$ 470

(jan/14)

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Burro, Ridículo & Stúpido


O Balneá-Rio tem já há alguns meses um novo sistema de circulação de ônibus, ao menos na Zona Sul: o “Burro, Ridículo & Stúpido”, identificável pela sigla BRS. Segue abaixo uma tentativa de explicação de seu funcionamento.

Os ônibus foram divididos em 3 grupos:
- o Burro, Ridículo & Stúpido 1 (BRS 1)
- o Burro, Ridículo & Stúpido 2 (BRS 2)
- o Burro, Ridículo & Stúpido 3 (BRS 3)

Cada grupo tem suas próprias paradas ou pontos, que podem ou não ser agrupados, de forma errática.

E como isto ajuda o usuário? Não ajuda! Vá você para o Jardim Botânico, Sovaco do Cristo, Vila Valqueire, Fonte da Saudade, Largo dos Leões ou para a PQP, haverá BRS 1, 2 e 3 com estes mesmos destinos. Você pode portanto estar indo para a Gávea esperando em um ponto BRS 2 e vai ver passar um Gávea BRS 1 (pode ter certeza de que isto VAI acontecer). Sua cara de idiota fica por cortesia da casa.

E onde se localizam os pontos? Surpresa! Não há indicação ou lógica! Você está em um ponto BRS 1 na Cockroach Ribeiro e quer ir para um BRS 2. Vê um ponto no quarteirão anterior e outro no seguinte. Qual será o que você precisa, qual a direção a tomar? Só há um jeito, Meu Caro / Minha Cara: caminhe até o próximo quarteirão, descubra que aquele não é o Burro, Ridículo & Stúpido 2 que você queria mas sim um Burro Ridículo & Stúpido 3, ande 2 quarteirões na direção oposta, passe pelo ponto Burro Ridículo & Stúpido 1 onde você estava anteriormente. Quando você chegar ao ponto que queria, certamente terá perdido uns 3 ou 4 ônibus.

Canso de ver usuários atrapalhados e perplexos em pontos de ônibus, acenando para ônibus que passam céleres ao longe. Espera-se que ao menos exista um manual de uso, mas um sistema de transporte coletivo - especialmente em uma cidade turística - tem que ser intuitivo. Vai tentar explicar para um americano, um alemão ou finlandês um troço que nem os cariocas entendem!

Convenhamos, só no nome eles acertaram.
É Burro.
É Ridículo.
É Stúpido!

(Rio, 23/jan/2014)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A Voz do Povo


Pego um ônibus na Rua Cockroach Ribeiro, em Copacabana. Estou de pé pagando a passagem quando ele pára em um sinal fechado na esquina com a Rua Xavier da Silveira.

Diversas placas de ruas no Rio têm um curto descritivo de quem foram as pessoas que as batizam. E aparentemente o Motorista do ônibus tem uma brincadeira com o Trocador:
- “Diz aí, quem foi Xavier da Silveira?”
 
Me intrometo:
- “A rua onde morei dos zero aos quinze anos!”

Não é a resposta esperada, e o Motorista insiste:
- “Diz aí, quem foi Xavier da Silveira?”

O Trocador vocifera:
- “Um corno safado!”

Quando o sinal abre, o ônibus avaça até que se consegue ler o micro-CV de Xavier da Silveira. E o Motorista dá o gabarito em voz alta:
- “Olhaí, foi um político brasileiro!”

E o Trocador murmura, triunfante:
- “Não disse que era um corno safado?!?”

(Rio, 22/jan/2014)

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Sexto Sentido


Tiveram um relacionamento de 2 anos no início dos anos 80, quando estavam ambos em seus mid-twenties. Os Amigos achavam que tinham sido feitos um para o outro e imaginavam que ficariam juntos para sempre (seja lá o que isto signifique), de forma que ficaram surpresos com a separação - que foi súbita, e surpreendeu até mesmo os dois. Mas era irreversível.

Ela sempre dizia que era uma pessoa para o Século XXI, que lá viveria sua plenitude; mas morreu poucos meses antes de sua chegada, o que igualmente foi poucos meses antes de completar 40 anos. As  circunstâncias daquela morte foram tremendamente estranhas, a ponto de não haver qualquer possibilidade de reconhecimento do corpo. Mas ninguém teve dúvidas de que era o dela.

Com o passar dos anos - já no Século XXI - ele de vez em quando tinha a impressão de vê-la, às vezes ao longe, certa vez no Jornal Nacional... Certamente uma look-alike, imaginava ele.

Mas certa vez sua Prima - que era muito Amiga daquela Ex - disse que a tinha visto também. Em um show dos Titãs. Weird...

Naquela terça-feira 21 de janeiro de 2014 ele estava andando pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana e a viu. De frente. Cara a cara.

Ela também o viu.

Ficaram se olhando através de seus óculos escuros.

Ele não falou nada. Se alguém tivesse alguma coisa a dizer, seria ela.

Mas ela não o fez.

Cruzaram e foram embora, cada um em sua direção. Opostas.

Não havia como saber, afinal, que corpo era aquele tantos anos atrás.

(Rio, 21/jan/2014)

sábado, 18 de janeiro de 2014

Antes de nascer


Ele sempre considerou que 99% das pessoas são de boa índole, e os restantes 1% terminam por aterrorizar a existência daqueles bons 99%. Assim, se (por exemplo) em um assalto alguém tivesse a oportunidade de reagir e mesmo perecendo levar um assaltante junto, seria uma troca com saldo positivo para a Humanidade: afinal, se 1% das pessoas de bom caráter se sacrificassem levando consigo os 1% de má índole, o que restaria seria 98% da Humanidade levando uma vida sem sustos, medos ou receios. Um sacrifício nobre, uma troca vantajosa: “the needs of the many outweigh the needs of the few. Or the one.”

A oportunidade se apresentou em um almoço numa segunda-feira. O restaurante foi invadido por 4 meliantes que saíram saqueando as mesas aleatoriamente. Um dos assaltantes ficou de costas para sua mesa, e de frente para o resto dos clientes. Sobre a mesa, os talheres. Ele podia com tranqüilidade pegar a faca e cravar em local escolhido nas costas daquele um. É claro que seria fuzilado pelos outros três, mas era a troca justa sobre a qual  já filosofara. Hora de passar do mundo das idéias para a ação.

Mas... sentada em sua mesa estava Lucía, no nono mês de sua primeira gravidez. Ele ficou imaginando o trauma que ela teria ao ver seu colega de trabalho esfaqueando alguém a 1 metro de distância, e sendo morto em seguida. Seria correto expô-la a isto? Ele titubeou.

Os assaltantes foram embora, por puro acaso sem roubar a mesa da grávida. No dia seguinte, dois aviões se chocaram com o World Trade Center em New York, e Lucía não conseguiu segurar tanta tensão. Isola Bella nasceu, sem saber que antes mesmo de fazê-lo já tinha salvado a vida de duas pessoas.

(jan/2014)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Falar é Fácil!


Passou despercebido no mundo inteiro, e só me ocorreu agora: o nome do disco de 1988 do Keith Richards é uma espetadela no Jagger!

"Talk is Cheap", "Falar é Fácil", ou no caso um sutil "Só Cantar é Fácil", com um subtítulo inferido: "Quero ver tocar guitarra"! Sou de teoria que a guitarra do Jagger fica DESLIGADA durante os shows dos Stones, é só um 'scenic device'. E mais: quando não está desligada, deveria!!!

Uma outra alternativa é que todo mundo tenha notado a ferroada, e eu não notei que todo mundo notou. E pior: só descobri 26 anos mais tarde...

(jan/2014)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Mermaid to Order


Encontro Mademoiselle FG no supermercado. Furacão profissional, antes de completar 30 anos a Loura já tinha em seu CV os cinco ou seis principais nomes do Dow Jones. Há quase um lustro não sabia dela, e nem mesmo tinha conhecimento de que voltara a morar na Cidade Cinza. Na conversa faço a mesma pergunta que formulo a todo mundo independentemente de idade, crença, grau de intimidade, gender, raça ou whatever:
- “Você está casada ou solteira?”

Tem sido crescente a dificuldade em obter uma resposta concreta a esta questão, mas ela não se intimida. Seus olhos “Mermaid to Order” me fulminam, assim como sua resposta:
- “Eu estou... BEM!”

A pergunta infinitiva encontra finalmente sua resposta definitiva.

(jan/2014)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Found in Translation


A expressão “lost in translation” se refere a peculiaridades lingüísticas intraduzíveis, como por exemplo trocadilhos e jogos com palavras. Aqui, um (não muito renomado) tradutor de histórias em quadrinhos registra o oposto: curiosidades, expressões em inglês e seus correspondentes em português (ou talvez brasileiro) que o surpreenderam, e que considera merecerem registro.

Sugestões e principalmente correções são muito bem-vindas.

trocadilho - pun

I for one - eu por mim

for the time being - por enquanto

“been there, done that” -“ já conheço os passos desta estrada”

all said and done - no final das contas

fucking - sacaneando
(“sacanagem” é possivelmente a palavra da língua portuguesa mais difícil de se explicar para um gringo. Ou era, até eu descobrir sua correspondência com “fucking”. Assim, uma pergunta “are you fuckin’ me?” equivale (ou pode equivaler) a: “tu tá me sacaneando?”)

Gatos têm Sete Vidas; Cats have Nine Lives!

wasted - chapado, doidão

minced - moído / chopped - picado


stray (cat, dog) - (gato, cachorro) vira-latas

mahogany - mogno

barrel of a gun - cano do revólver, da arma

rock bottom - o ponto mais baixo, fundo do poço. Deriva da imagem de uma pedra caindo (seja no ar ou afundando dentro da água): ela só vai parar no ponto mais baixo, quando não houver mais para onde descer. Nada pode ser mais baixo, portanto, do que o fundo (“rock bottom”) desta pedra.

Sucker Punch - golpe baixo

time to move on - hora de (deixar a pasmaceira e) seguir em frente, mudar

(jan/2014)

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Pontualidade


Duas citações do Professor Mario Sergio Cortella (a quem agradeço o envio dos 2 volumes de “Pensar bem nos faz bem” dedicados e autografados):

- “A Pontualidade é um crime sem testemunhas.”
(dito popular)

- “Pontualidade é a coincidência de duas pessoas chegarem com o mesmo atraso.”
(Leon Eliachar)

De Jim Butcher:
“Pontualidade é o que as pessoas fazem quando não têm nada melhor para fazer.”

Provérbio (inglês?):
“A Pontualidade é uma cortesia dos Reis, e uma obrigação dos educados.”

(out/2013)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Menino Veneno


Aconteceu no início do Século XXI.

Show de Marcelo Nova na Vila Madalena. Antológico!, como todos os shows dele. A alturas tantas, Nasi subiu ao palco e iniciou um dueto com Marcelo. Passaram então a um desafio como os dos repentistas sertanejos, porém com levada rock’n’roll: cada um improvisava uma quadrinha com rima e sacaneando o outro, e instantes depois vinha a resposta no mesmo tom. Longo, brilhante, criativo, divertido, inesquecível!

A galera na pista estava estranhamente distante do palco. Com traje “au grand complete” - all blacks, inclusive o blazer - me aproximei e fiquei lá na frente, bem perto do palco.

Lá pelas tantas, no meio do show, dois caras se aproximam e um deles me pergunta:
- “Você é o Ritchie?”

Demorei um pouco para entender a pergunta. Quando me refiz, respondi:
- “Não, eu não sou o Ritchie.”
Os  caras se afastaram.

Mas em pouco retornaram:
- “Você É o Ritchie!”
De cima de minhas botas, respondi:
- “Não, eu não sou o Ritchie!”
Os caras se afastaram.

Daí a pouco voltaram uma vez mais:
- “Mas se fosse o Ritchie, você não diria...”
Respondi com toda a sinceridade do Mundo:
- “Se eu fosse o Ritchie eu diria sim que sou o Ritchie. Mas eu NÃO SOU o Ritchie!”

Os caras ficaram por perto.
- “É, não tem sotaque, mesmo...”

Ao final do show, Marcelo Nova foi ao baterista, pegou uma baqueta, veio para a boca do palco e a entregou a mim.

(jan/2014)

domingo, 12 de janeiro de 2014

The Spaghetti Incident?


Versões de músicas, releituras, retrabalhos, reinterpretações e afins só servem para uma coisa: dar vontade de ouvir a versão ORIGINAL das músicas!

Mas ao menos esta vantagem elas têm sobre as Rodinhas de Violão, que dão vontade de NUNCA MAIS ouvir aquelas músicas!!!

XÔ, Scratch My Back! XÔ, Songs From the Mirror! XÔ, Spaghetti Incident (mesmo tendo ‘Raw Power’ e T.Rex)! XÔ XÔ XÔ Emmerson Nogueira & Danni Carlos! Paulo Ricardo: tocar “Crazy Little thing Called Love”, “Jealous Guy” e “Something” em uma coletânea caça-níqueis com 17 versões “Acoustic Live”, o quê é isto??? Titãs, convenhamos: “As 10 Mais”??? "Lulu Canta e Toca Roberto e Erasmo", que merda!!! "Tributos" a Led Zeppelin e Deep Purple, PQP!

(Nota: tal asco não se aplica a Bandas que fazem covers. Quase sempre o cover é uma homenagem tocada com tesão, screaming guitars, comumente versões mais pesadas e longas, jams em cima dos originais, e não uma “versão pessoal” que é normalmente “mais intimista”, em outro ritmo, arrastada, ‘novo approach’, salsa, em espanhol, bossa nova, uma bosta!!!)

(jan/2014)

sábado, 11 de janeiro de 2014

A Bolsa ou a Vida


- “A bolsa ou a vida!”
- “Então é você quem tem a missão de dar termo a minha jornada. Agradeço. Cumpra sua tarefa.”
Ajoelhou-se, abriu os braços, abaixou a cabeça e fechou os olhos. E aguardou.
 
-x-x-x-

O crime de quem aponta uma arma e ameaça tirar a vida de uma pessoa não é o assalto. O que está em jogo não é a bolsa, mas a vida.

Quem ameaça a vida dos outros e se auto-conceitua como potencial assassino, como tal deve ser julgado.

(jan/2014)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Viola


Viola é uma gatinha de olhos verdes nascida em fevereiro de 2000. Diz-se que a equivalência entre a idade dos gatos e a dos serumanos é: o primeiro ano de vida do felino equivale a 9 anos humanos, e os seguintes equivalem a 5 anos cada. Ao completar 14 anos felinos em fev/14, ela terá portanto 74 (hum)anos.

Desde a bebezinha que nunca deixou de ser, Viola sempre viveu dentro de um mesmo apartamento. Quase nunca saiu de casa, e praticamente desconhece que existam outros seres semelhantes a ela.Tem todo o mapa de sua casa minuciosamente detalhado na cabeça, e se alguém chega com alguma coisa nova ela imediatamente utiliza seu nariz para pesquisar e aprender; Viola sempre sabe TUDO.

Sua mais marcante característica, no entanto, é o mau humor. Arredia e esquiva, brava mas não agressiva, Viola foge a qualquer tentativa de um carinho indesejado - e praticamente todos os carinhos lhe são indesejados. É curioso que com 14 anos de rotina ainda não confie em ninguém (a não ser sua Mamãe humana), e que seja tão desconfiada e furtiva. Tenho a impressão que considera nossos ameaçadores braços como sendo seres independentes do  restante de nossos corpos, que não a incomodam; e, de seu ponto de vista, ela está coberta de razão.

Quando mais jovem, Viola subia nos móveis, espaldares de cadeiras e estantes. Jamais perdeu o hábito de se cobrir com um manto de invisibilidade quando algum desconhecido vai fazer algum reparo na casa que é seu reino.

Ela constantemente se aninha em meu colo, mas que não se infira qualquer motivação emocional neste ato puramente pragmático. Ela já descobriu que i) minha barriga é macia como um colchão de água, além de quentinha no inverno paulistano; ii) em meu colo ela fica livre de carinhos indesejados, pois eu a respeito e não fico como todo mundo passando a mão (ou tentando passar) por seu pêlo hiper-macio; e iii) quando em meu colo ela ganha total atenção de sua Mamãe humana - o que Viola adora!

Já velhinha, permanece magrinha e esbelta - pesa atualmente 2,6kg - mas perde a compostura quando está perto de presunto. Adora também requeijão e salmão, e por incrível que pareça, gosta de alface. Com o passar dos anos deixou de ser uma gatinha educada, e atualmente não se pode deixar um pedaço de frango, bife ou atum em cima da bancada da cozinha ou da mesa na sala: quando as pessoas derem as costas ela rapidamente abocanhará o naco, e se esconderá para degustá-lo. E sim, aprendeu a pular e se pendurar na maçaneta das portas até abrí-las quando a interessa.

Ela é uma confirmação da expressão “cães têm donos, gatos têm equipe de apoio”.

Se por muito tempo achei que não miava, atualmente me pego conversando com ela em sua própria linguagem.

Tenho-lhe muita pena, pois Viola é, a seu modo, o ser mais solitário do Universo: após suas primeiras semanas de vida, jamais voltou a encontrar um semelhante.

Viola é uma Panda em Saturno.

(jan/2014)


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Watchers of the Skies


Observadores vigilam o Universo em busca de manifestações da Doença Degenerativa, que uma vez instalada leva os habitantes de um Planeta a passarem a agir como vírus que destroem seu Hospedeiro.

Os sintomas são facilmente detectáveis e se assemelham ao crescimento desordenado de um câncer, percebível à astronômicas distâncias.

Identificado que um determinado Planeta está infectado, é colocado um Avaliador para compreender o alcance da situação. Por um doloroso período ele conviverá com a Raça responsável pela doença como se fosse um habitante do Planeta, até chegar a uma diagnóstico puramente racional se a situação é ou não reversível. Usualmente não é.

Neste caso, ele interrompe o envio de seus sinais.

Esterilizadores entram então em cena.

(Com uma livre referência - e singela homenagem - a Doris Lessing.)

(jun/2056)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A Diferença entre LOURA e LOIRA


Causa espécie a generalizada confusão no uso dos termos “loura” e “loira”. Chega-se inclusive ao ponto de se tratar as duas palavras como se fossem a mesma coisa!

Isto ocorre por não existir uma diferenciação formal para os dois termos. “Loira” - assim como “naiscer” - provém de um incorreto uso coloquial do vernáculo. O caso “loira” acabou se estabelecendo devido ao farto uso; queiragod que não cheguemos ao absurdo de ter também que aceitar o “naiscer”.

Visto que a segunda palavra é uma mera distorção da primeira, e que as duas atualmente coexistem com um único - e difuso - significado, apresento proposta para dar utilidade e eficiência a ambas:

LOURA
Aquela que tem os cabelos naturalmente (ou com cara de) louros.

LOIRA
Aquela que pintou (mal) os cabelos de loiro.

É claro e simples, e tudo mundo fica sabendo o que se quer dizer e a quê se está se referindo. 

(jan/2014)

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Oitenta é o novo Quarenta


Duas intervenções cirúrgicas em menos de 4 semanas levam a pensar: será que fomos feitos para durar mais do que 5 décadas?

A vista piora, os dentes pioram, a dieta piora. As costas doem.

Envelhecer dói!

Mais grave, no entanto, é que a vida longa leva muita gente a se preocupar em poupar ao invés de usufruir. Quem sabe que vai durar somente 40 anos tem uma postura de acumulação bastante diferente daquele que acha que vai perambular pelo Planeta por 100 anos.

A longevidade não-natural, desenvolvida por nós mesmos, gera um perverso incentivo ao egoísmo e à concentração.

Tudo para, afinal, passar a segunda metade da vida (aquela que não estava originalmente planejada) cheio de dores e limitações – e morrer ou na miséria ou com o bucho recheado de dinheiro!

(02/abr/2013)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A Quem Interessa a Fidelidade?


Deixemos provisoriamente de lado todo o condicionamento a que vimos sendo submetidos ao londo de dezenas de séculos, e analisemos a necessidade humana de Fidelidade sob o aspecto meramente Biológico.

Pensando na evolução das espécies há milhares de anos atrás, quando Mamãe Natureza nos moldou: a quem interessaria a Fidelidade? Não ao Sexo Masculino, pois com quanto quanto mais Fêmeas transassem mais disseminariam, etc. E mais: o fato de ter engravidado uma Fêmea não tira do Macho a prerrogativa de fecundar uma segunda, e outras mais.

Já para a Fêmea, transar com mais de um não vai adiantar absolutamente nada, não vai acrescer nada - se bem que dizem que quando nenhum Macho da tribo sabe quem é o Pai de um Balu, ninguém o ataca...

Portanto, por este ângulo teremos: Fidelidade não interessando ao Homem e (possivelmente) não sendo útil às Mulheres.

Olhando por outro lado, focando a evolução social. Agora o Homem já sabe que precisa deixar seus bens para seus próprios descendentes - afinal, foi tanto esforço para acumular!... Para as Mulheres não há problema, pois elas sempre sabem que o Filho é delas, independentemente de quem seja o Pai. A Mulher tem total certeza da Filiação - mas o Homem, não! Só há um único meio de ele ter certeza de que o Filho é seu e deixar as suas coisas para a sua descendência: é essencial que a Mulher lhe seja fiel.

Assim, pelo aspecto da transmissão hereditária de bens, teremos: Fidelidade é de interesse dos Homens, mas não traz benefício à Mulher.

A conclusão desta análise é clara e fria: a Fidelidade só interessa ao Sexo Masculino. Só os Homens saem ganhando com ela.

Portanto, Mulheres, libertem-se destas amarras que só são boas para os Homens. Acabem com a Fidelidade! Derretam as alianças! Chega de condicionamento!

Façam este favor à Humanidade.

Por um Mundo mais lógico.

(jan/2014)

domingo, 5 de janeiro de 2014

A Terceira Melhor Coisa do Mundo


MULHER é uma coisa sensacional, espetacular. Muito bom, muito bom, muito bom!

Mas é só a TERCEIRA melhor coisa do Mundo.

A SEGUNDA é a PIPOCA SALGADA.

E a PRIMEIRA, claro, é MILK SHAKE DE CHOCOLATE!

(1956-2014)

sábado, 4 de janeiro de 2014

Os Laranjas Mecânicos


Em 2012 foi lançada uma edição especial comemorativa dos 50 anos do magistral “A Clockwork Orange” de Anthony Burgess.

Boa parte de tal edição é dedicada a esclarecedores ensaios do Autor sobre sua genial Obra.

Em um deles, Burgess menciona que a utilização de gíria russa (“nadsat”, proveniente do sufixo russo que equivale ao “teen” inglês) é na verdade um “brainwash device”. Os termos e expressões nadsat aparecem cerca de 10 ou mais vezes por página, e lá pela metade do livro - sem sentir - o Leitor já entende boa parte deles (e até passa a utilizá-los em seu dia-a-dia!). Burgess explica no ensaio que é exatamente assim que funciona a lavagem cerebral: a pessoa não nota que a idéia lhe foi inoculada, e acredita ser ela mesma a única responsável por aquele raciocínio que a domina. Lembremos que a lavagem cerebral é a parte central do livro; Burgess, portanto, sutilmente submete seus próprios Leitores a um suave “Tratamento Ludovico”.

Todos os integrantes de uma numerosa Família carioca torcem pelo mesmo time, que vem a ser o mesmo time do Patriarca.

A Primogênita de tal Família vem me dizer, cheia de orgulho:
- “Fui eu que escolhi o meu time!”

Ela... os 3 outros Irmãos... e os 8 Netos. Todos “escolheram” o mesmo time.

É assim que funciona.

(jan/2014)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Mais Importante do que o Amor

 
Primeiro jantar formal do ano. No tradicional e informal Restaurante Degrau no Leblon (RJ), Papai ergue sua taça de kir royal e declara para uma mesa com 8 pessoas:

- “Na idade que minha Esposa & eu estamos (ele 84 anos, ela 80), mais do que Amor, o que precisamos que nossos Filhos tenham é... Paciência!”

(03/jan/2014)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Bangerz


Em entrevista à Rolling Stone Magazine publicada no final de 2013, Miley Cyrus deu ‘en passant’ uma grande lição sobre quem vive no passado.

Questionada sobre chocar as pessoas e apresentações polêmicas, ela respondeu (em tradução livre):
“Estamos em 2013, os gays estão casando. Nunca pensaria em algo como: ‘Ah, tal coisa pode ser polêmica’. O que você quer dizer com isso?”, ela diz, rindo. “Os tempos estão mudando. Acho que daqui a uma geração ou duas será um mundo totalmente novo.”

É isto. Daqui a pouco - se é que agora já não é assim - não existirá mais isto de “chocar” ou polemizar. Esta é uma forma antiga de pensar, meter o bedelho na vida dos outros e achar alguma coisa “chocante”. Cuide da sua vida. Se algo te escandaliza, é sinal que você ficou no passado. Mude de canal, e não encha o saco.

(jan/2014)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Eu Não Quero Que Você Me Conheça


Quando este Blog foi criado há 40 meses, pensei em mantê-lo anônimo e estreá-lo com um texto “Eu Não Quero Que Você Me Conheça” como primeira mensagem. A idéia (*) essencial era que o essencial são as idéias, e não a pessoinha que as escreve. Assim abrigado, este espaço evitaria distrações, cobranças ou melindres do tipo “ah, então quer dizer que o Airulopoda pensa assim...”

Não faz a menor diferença quem é a pessoa que está por trás das palavras. O que é importante é o Mundo das Idéias; a abstração, o debate. Para meu pavor, aumenta progressivamente a intromissão das pessoas na vida alheia, a capacidade dos serumanos de se julgarem no direito de se imiscuirem na vida dos demais, se considerando no direito de julgar e condenar sem considerar que os outros também têm direito às suas opiniões - possivelmente muito mais racionais e embasadas!

Gente burra cujo único mérito é uma capacidade de espernear em voz alta até que suas idéias estúpidas encontrem eco em ouvidos igualmente estúpidos, e com a mesma capacidade de gerar eco. O “politicamente correto” ameaça atrofiar as cabeças pensantes deste País a médio ou mesmo curto prazo. Recentemente comecei a perguntar a um grande Pensador:
- “O quê o Senhor acha...”
- “Eu não acho nada!”, interrompeu o Sábio. “O último sujeito que achou alguma coisa foi encontrado trucidado vários dias depois. Eu não acho mais N-A-D-A!”

Idéias, abstrações, debate; é só isto que importa. A autoria só serve para vaidades, melindres, patrulhas e caça às bruxas.

Eu não quero que você me conheça.

(jan/2014)

(*) Nota: um novo ano se inicia, mas este espaço se recusa a ceder à mediocridade da reforma abortográfica, conforme o manifesto “A Inveja É Uma Reforma Abortográfica” de março / 2012 (http://www.umpandaemsaturno.com/2012/03/inveja-e-uma-reforma-abortografica.html)