terça-feira, 30 de setembro de 2014

da Vinci, Mamãe e o Pênis


Utilizando somente a mim mesmo como 100% do universo amostral, só posso concordar com a afirmação “o que determina o apreço de alguém pela leitura é o apreço de sua Mãe pela leitura”.

Passei o início da vida entre os livros de Mamãe, e logo então os meus. A iniciação se deu com Julio Verne, Agatha Christie, Monteiro Lobato e Isaac Asimov, autores de quem li tudo ou quase tudo – além das toneladas de quadrinhos, é claro.

O Autor preferido de minha Mãe é Honoré de Balzac, mas ela também adora livros sobre a vida de Grandes Homens como Alexandre, Leonardo da Vinci, etc. Na maior parte das vezes, lê em francês. Felizmente para mim leu René Barjavel em português, e assim quando Papai e ela me proibiram de lê-lo aos 10 anos de idade por ter “cenas muito fortes de sexo” eu pude descobrí-lo às escondidas já no dia seguinte!

No início de 1988 morei por 3 meses na casa do Guru R.A. em Cataguases, MG. Papai & Mamãe foram me visitar, e passaram um final de semana hospedados na edícula de seu Sítio no Glória. Quando Mamãe desceu do carro e descarregou os livros que havia levado, R.A. me perguntou em voz baixa:
- “Sua Mãe compra livros... por quilo???”

Aos 81 anos ela permanece com a mesma voracidade de cultura e leitura que me contaminou. Em julho de 2014 fui à casa de P&M no Rio e ela me deu uma folha de papel escrita com sua caligrafia, e explicou:
- “Já que este livro não foi traduzido e você não lê em francês, traduzi para que aprecie.”
Reproduzo a seguir. Trata-se de um trecho do livro “François 1er et la Renaissance”, de Gonzague Saint Bris.

“Em matéria de sexualidade, a época (+/- 1512) nos propõe um ponto de vista inesperado: o de Leonardo da Vinci, quando ele abaixa o olhar em direção ao próprio sexo.

Em seus cadernos (notas) se encontra este texto sobriamente intitulado “Do Pênis” (“De la verge”):

“Ele tem relações com a inteligência humana, e algumas vezes possui uma inteligência própria; a despeito da vontade que deseja estimulá-lo, ele se obstina e age como quer, se movendo às vezes sem a autorização do homem, ou mesmo contra ela. Seja que o homem durma, seja que esteja acordado, ele não segue senão seu próprio impulso.

Freqüentemente o homem dorme e ele está acordado. E também acontece que o homem esteja acordado e ele dormindo.

Inúmeras vezes o homem quer se servir dele, e ele se recusa a isto.

Inúmeras vezes ele quer, e o homem o proíbe.

Então parece que este ser tem uma vida e uma inteligência distintas da do homem, e que este último está errado em ter vergonha de dar-lhe um nome ou de exibí-lo, procurando constantemente cobrí-lo e dissimular o que ele deveria ornar e expor com pompa, como um oficiante.”

E Mamãe finaliza acrescentando uma nota de rodapé:
“Oficiante: quem oficia ou preside ao ofício divino; celebrante. (Dicionário Aurélio)”

(Rio, jul/2014)

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