quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

(Hearing Earring 3 de 4) Ajoc Festival 11/mai/08

Banhada, barbeada e de unhas cortadas, a Noiva saiu rumo ao show às 16h50m, mais de 5 horas antes do horário marcado. Preocupações: além de serem quase 100km de Breda (onde estava hospedado) até as cercanias de Mijdrecht, local do AJOC FESTIVAL (que mais tarde Rinus me disse se pronunciar “aioc”, assim como o time Ajax é “aiax”), o local – de acordo com o Google Maps – era no meio do nada! Some-se a isto o monte de voltas que dei em Tilburg, mais a ansiedade, 5 horas seriam de bom tamanho.

De ótimo tamanho! Após 90km de estrada a cravados 100km/h, peguei as vicinais que eram quase estadas de terra. Foi um passeio pelo interior da Holanda, com represa e muitos diques. É uma região que foi drenada e portanto está abaixo do nível da água. Com isto, a vegetação é muito verde e forte. Minha intensa pesquisa deu resultado: fui bater diretamente no local do Festival, uns enormes galpões armados no meio do nada alagado. Brandi os e-mails impressos e consegui estacionamento privilegiado. Eram 18h30m, e na entrada fui informado que os portões abririam às 20hs. Mico total, no meio do nada e com 90 minutos de espera!

A camisa amarela do Brasil reluz ao sol, e em 5 minutos o segurança do Earring veio me buscar lá fora. Falava pouquíssimo inglês, mas conseguimos nos entender: estava sensibilizado com minha jornada, e me adotou, me levando para os camarins, me conseguindo cerveja e finalmente uma pulseira que dava acesso a TUDO – até o palco! Fiquei zanzando pelo backstage, comprei uma segunda leva de camisetas que deixei no carro (free access, lembra?), conheci Jan van der Geest, nada menos do que o DESCOBRIDOR da banda quando crianças, e mentor até hoje. Jan está paraplégico há 2 anos, quando caiu de uma árvore (creio). Não fala inglês, mas me comuniquei com ele através de um casal que é parte da entourage. Fiz perguntas e elogios, e contei a história de minha vinda – todo mundo quer saber. Ele pediu meu cartão de visitas com endereço, e ME DEU SEU PRÓPRIO BACKSTAGE PAS! Algo como se você fosse a um show do Zeppelin e Peter Grant te desse o próprio backstage pass... Todos que me viam com aquele passe arregalavam os OlhOs...

Depois de me dar seu número de celular (“in case you need it”) e duas cervejas, o Segurança - Mr. John O’Hello, pronuncia-se “otchelo” – perguntou se eu queria comer e ofereceu que eu fosse para a tenda de ‘catering’, onde Rinus Gerritsen comia. Totalmente sem jeito restringi-me a uma salada e salmão, e FIQUEI QUASE 1 HORA CONVERSANDO COM RINUS! O cara é um gentleman, paciente, respondeu a todas as perguntas, sempre com sua cadela Suus (com um olho azul e outro castanho). Algumas respostas (editadas) estão a seguir.

M – Existem diversas músicas que não estão em álbuns oficiais. Por exemplo “I Need Love” que não consta do “Contraband” mas sim de sua versão americana “Mad Love” – que por outro lado não tem “Faded Jeans”. Ou então “I Do Rock’n’Roll”, “Yes! We’re On Fire”, “Die Bus” ou ainda a bela e antiqüíssima “The Song Is Over”, que consta de uma compilação lançada no Brasil e que jamais vi em lugar algum. Seria possível o lançamento de um disco “From The Vault”?

R – São músicas que ficaram prontas quando os discos já haviam sido lançados. No caso de “I Need Love”, os discos lançados nos EUA têm versões diferentes dos lançados na Holanda – veja “Moontan”, por exemplo. O mercado americano prefere músicas mais longas, enquanto na Holanda tudo se resume ao Top 40. “I Do Rock’n’Roll” foi um compacto. “Yes! We’re On Fire” foi encomendada pelo comitê olímpico holandês, que necessitava uma música-tema instigante. Não vamos ficar remexendo no passado, pareceria ‘raspagem de tacho’, ainda mais nesta era de You Tube, onde você pode encontrar qualquer coisa antiga; não faria sentido.

M – Você compunha muito no início da banda, mas não mais atualmente. Pensa fazer um álbum solo?

R – O processo criativo com o EARRING mudou bastante ao longo dos anos. Hoje George mora na Bélgica e Barry no Caribbean. Não é tão fácil colocar todo mundo junto e dizer “OK, agora vamos compor”. E mais, sempre foi muito fácil juntar todos no estúdio de George e começar a compor e gravar, e se as coisas não saíam bem, dizíamos: “OK, continuamos amanhã, amanhã dará certo”. Foi por isto que decidimos gravar o último disco (“Milbrook USA”) nos Estados Unidos: tínhamos um tempo de estúdio pré-determinado, e passagens de volta. Tínhamos uma pressão de tempo, e assim precisávamos acabar o trabalho em duas semanas. Ademais os estúdios americanos são muito bons e baratos. Talvez no futuro eu faça algum trabalho solo, mas não agora enquanto continuamos lançando álbuns e fazendo shows. Cesar já tem um trabalho extra, ele é um ‘one man show’.

M – Como vocês escolhem as músicas do setlist?

R – Algumas músicas não podem faltar, como “Radar Love”, ”Twilight Zone ” e ”When the Lady Smiles”. Em torno delas nós vamos agrupando outras músicas até ficarmos com um show coeso. Não podemos colocar três baladas em seguida, por exemplo, porque as pessoas vão começar a beber, a olhar para os lados e a bocejar (enquanto falava fazia os gestos e movimentos). Depois de uma balada tem que vir uma agitada; temos que manter o “beating”.

Showtime, eu não poderia estar mais feliz. Fiquei do lado de fora dos galpões até acabar o último show de suporte, e então entrei. Embora o lugar estivesse lotado, eu facilmente cheguei à primeira fila. E daqui a pouco uma mulher que também estava na primeira fila veio a mim e falou:
- “Meu marido tem uma camisa igual à sua, com o nome gravado nas costas.”
A esposa de Sjaak Neels! Sjaak é o “cyberbrain” e responsável pelo website do GE, e foi ele quem contatei do Brasil em janeiro e que me convidou para estes shows em maio. Respondi:
- “It was me who gave it to him!”

Pontualidade holandesa: assim como o gig de Tilburg, este começou às 22h05m. Mesmo setlist, mesma duração (cerca de 2h05m). Uma holandesa baranguinha era toda sorrisos e gentilezas a meu lado, conversamos bastante. Desta vez eu não estava tão emocionado como na primeira vez – virgindade acabada, ou como disse André Vasco-n “o primeiro filho é de vidro mas o segundo é de borracha” – ainda mais eu já sabendo o que iria acontecer, curti o gig com os mesmos olhos arregalados e esbugalhados, a mesma alma totalmente aberta, o mesmo sentimento de conquista plena, de felicidade completa. Gravei algumas coisas – assim como Gloug disse durante a execução de “The Other Side” na gig do AEROSMITH na Praça da Apoteose, “o riff de minha vida”, posso dizer o mesmo da versão de “She Flies On Strange Wings”, que na verdade nem é uma de minhas favoritas.

As gravações não ficaram muito boas porque a galera pulava enlouquecida, e o chão composto por tablados montados sobre o charco subia e descia acompanhando a cozinha do Earring. As roupas da banda eram exatamente as mesmas de Tilburg, espero que as tenham lavado (embora eu também estivesse com a mesma roupa de Tilburg, e sim, eu tinha lavado a camisa do Brasil). – “George is the man of the day, the guy of the moment. Here’s Jojo!”, diz Barry introduzindo “Another 45 Miles”. Mais uma vez assisto a duas horas do “guitarrista que não erra”, segundo Gloug.

Chove cerveja o tempo todo. O AJOC FESTIVAL é uma grande festa, e os holandeses ficam arremessando copos de cerveja cheios. É curioso: eles compram TONELADAS de tokens, depois pegam DEZENAS de copos de cerveja ao mesmo tempo. Nos balcões os copos são colocados pelas próprias atendentes em porta-copos que lembram nossos porta-ovos (de galinha) de papelão, com lugar para UMA PORRADA de copos de cerveja. O comprador sai com uns 20 copos, atravessa o salão até seus amigos, e dá-lhe birita!

A platéia pula alucinada em “When the Lady Smiles”, Rinus tinha razão. Durante “Johnny Make-Believe” estoura uma arruaça a 3 metros de mim, algo como uma roda de pogar que deu briga. A platéia está insana. E chove cerveja.

O solo “espacial” de baixo é bom para acalmar os ânimos. Durante o solo de bateria em “Radar Love”, Cesar se levanta e bate nos tambores suspensos atrás dele. Eles piscam e imagens são projetadas acompanhando o rítmo; lembra um pouco “In-A-Gadda-Da-Vidda”.

O show acaba e a esposa de Sjaak me leva para o backstage – lembre-se, estava com a pulseira azul “all areas access” – e saímos da platéia e SUBIMOS NO PALCO para ir aos camarins onde eu já havia passado a tarde. Eu já era figurinha marcada – a camisa do Brasil foi realmente um achado – e fiquei conversando com o motorista de George Kooymans. À tarde eu também tinha conhecido o irmão de Rinus, Rob Gerristsen, que é o empresário da banda. Alcancei Cesar Zuiderwijk saindo, e tirei a foto que não conseguira na primeira noite. Time to go home. Comprei uma coca e um hamburger (rrrámburrger, como falam eles, muito bom, meio apimentado, paladar wurst, diferente) e atravessei o imenso salão onde muito mais do que as estimadas 4000 pessoas se abarrotavam pulando, dançando, garotas falavam comigo e com todos, todo mundo abordando todo mundo, a música holandesa de festa parece aquelas coisas de São João, ufanas, triunfantes, bradantes, marchinhas. Levei vários banhos de cerveja. Na saída uma mulher (enorme!) da Segurança veio saber o que eu tinha achado do evento. E sutilmente mostrou que eu não podia sair levando embalagens descartáveis (risco de jogar no mato e poluir); tive que matar a coca ali mesmo.

Quando fechei a porta do Fox 1.2 preto, meu cheiro de cerveja empesteou toda a cabine. Eu tinha 100km de estrada pela frente, e uma certeza: se a Polícia me pegasse, estava FODIDO!

A saída do estacionamento não era pelo lado por onde eu tinha entrado. Fui enviado (em holandês) para uma outra saída bem distante, onde indaguei carregando em meu sotaque holandês:
- “Utrecht?”
A resposta foi em holandês. E de repente lá estava eu no meio do campo, no meio dos diques, no meio da noite, no meio do nada!

Foi difícil. Segui até encontrar uma vila – Mijdrecht, creio. Imagine o silêncio à 1 da madrugada em uma vila no campo. Ruelas sem saída. Ainda consegui encontrar um ciclista no meio da noite – mas ele só falava holandês, e estava totalmente bêbado! Felizmente (como sempre) eu estava com uma bússola e sabia a posicão relativa da estrada, e com as explicações que o bebum balbuciou (‘links’ e ‘rechts’ parece alemão) consegui chegar a uma vicinalzinha, depois outra, e finalmente a N219 que me levaria à A2. Ufa!

Não existe erro nas estradas holandesas: você vai a 100km/h fixos o tempo todo, não tem nem graça fazer conta de Horário Provável de Chegada, você sabe exatamente a que horas vai chegar a seu destino.

Breda, 2h30m da matina. Silêncio. Silêncio absoluto é o que você ouve a esta hora da madrugada em uma cidadezica holandesa caminhando do Estacionamento até o Hotel. Silêncio. Ainda mais se você estiver voltando de duas horas de rock and roll seguidas por uma festa barulhenta. Com cheiro de cerveja e a felicidade de 2 shows do Golden Earring na memória. Este foi o dia de sonho de qualquer fã de uma Banda de Rock.

(mai/2008 - jan/2010)

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