sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Voar não é só com os Pássaros

(texto sobre vôo de paraglider escrito para a revista CITI NEWS em julho / 1999)

- “Mas não dá medo?”

Esta é sempre a primeira pergunta que se ouve quando alguém vem a saber que você é um Voador. Parapente e Asa Delta são subdivisões do vôo livre, esporte classificado como o mais perigoso do mundo devido ao número de acidentes. Mas – como em todas as atividades – o risco que cada um corre está diretamente ligado a atitude pessoal.

É claro que eu tenho medo. Sempre tenho, nas rampas, antes da decolagem. Mas é um medo útil, que me torna prudente e cauteloso.

- “Deve ser bonito lá em cima…”

Costuma ser o segundo comentário. É maravilhoso. Tão logo damos os primeiros passos na rampa e a vela se infla atrás e acima de nós, somos invadidos pelo prazer incomparável de ver o mundo de cima, de flutuar sobre árvores, casas, montanhas, rios, praias, mares, pessoas. Somos companheiros dos pássaros e vemos seus ninhos nos picos dos morros, os alpinistas e as trilhas nas encostas das montanhas, as nuvens, casas e lagos ao longe. Se isto não é bonito, não sei o que possa ser.

- “De onde você pula?”

Jamais faça esta pergunta a um paraglider. Um parapente não se joga, mas decola. Somos puxados para cima. A asa delta sim, se arremessa no vazio após uma corrida. Quem pergunta “De onde você pula?” a um paraglider costuma ouvir que “Quem pula é sapo”!

No Rio de Janeiro o principal “point” é a Pedra Bonita, na Praia de São Conrado. Voadores de São Paulo têm como alternativa mais próxima a rampa de Atibaia, a 50 km de distância. O “Guia 4 Ventos” indica as muitas rampas em todos os estados do Brasil, com fotos, mapas, vantagens e perigos, dicas e histórias curiosas.

- “Como se aprende?”

Com um professor autorizado pela Associação de Vôo Livre do seu estado. Após a aclimatação ao equipamento no solo, com o aluno correndo para lá e para cá com o parapente inflado ou carregando a asa, começa o sobe-e-desce em morrinhos: 2 metros, 3 metros, 5 metros, 10 metros. Você carrega o equipamento morro acima e desce correndo morro abaixo. Um exercício que vai se tornando mais puxado quanto mais alto você for chegando. Até que – de repente – o momento mágico: em uma destas descidinhas seus pés descolam do chão! Seu primeiro vôo, por poucos metros!

Após muitos primeiros vôos por poucos metros você vai aprendendo a manejar o equipamento, a dar-lhe direção. Não se acanhe se nestas primeiras experiências você cair em um riachinho próximo ou se for na direção das árvores (a famosa “arborizada”): não será a primeira e nem a última vez que isto acontece…

Cada vez mais alto, em poucas aulas você já está subindo 30 metros de pirambeira e decolando de lá de cima. Vôozinhos de 10 segundos. Quando o instrutor considerar que chegou a hora, passamos para o primeiro grande teste: a decolagem de um morrote de 100 metros de altura. Aí sim é o grande momento: se der certo de 100 m, vai dar certo de 1.000 m; por outro lado, cair de 100 m ou de 1.000 m não faz muita diferença…

Nervoso pela enésima vez – sensação que creio jamais virei a perder – você voa uma, duas, cinco vezes decolando de cima do morrote. E logo quer mais, quer 500 metros! Afinal chega o grande dia. Com 5 vôos de um morro de 500 m (acompanhados pelo rádio por seu instrutor) você estará apto a voar por conta própria. Terá que decidir por si mesmo se as condições atmosféricas (vento, nuvens) estão boas; se o tráfego aéreo está razoável; terá que traçar um plano pessoal de vôo da decolagem até o pouso. Decidirá o que fazer para ganhar altura e sobrevoar picos mais altos do que o ponto de onde decolou. Aprenderá a “enroscar” em térmicas e a fazer “lifts” na encosta de morros. Será um Piloto!

- “Quanto custa?”

O curso fica em torno de US$ 400. O equipamento é função de sua disponibilidade: mais do que nunca, o Céu é seu limite! Em média, um equipamento básico completo pode variar de US$ 1.000 a US$ 5.000. Uma vela zero-quilômetro último-tipo custará em torno de US$ 2.500; e mais o restante do equipamento básico:

· selete (cadeirinha na qual o paraglider vai sentado);
· rádio transmissor;
· variômetro (um altímetro que informa sua taxa de subida ou descida);
· macacão (é frio lá em cima!);
· luvas (pelo mesmo motivo, além de proteger os dedos no puxa-puxa das cordas de comando);
· botas para proteger o calcanhar (seus pés são o amortecedor no pouso);
· paraquedas reserva (equipamento de segurança obrigatório).

Pilotos mais experientes terão equipamentos mais sofisticados – inclusive um GPS para saber aonde estão (vôos cross-country chegam a cobrir 200 ou 300 quilômetros).

Uma máquina fotográfica atrapalha os comandos, é melhor deixar que familiares orgulhosos ou amigos babando te fotografem na decolagem, durante o vôo ou no pouso.

- “Posso fazer um vôo duplo?”

Pode, e deve. É uma experiência única e deliciosa, assunto para contar para parentes e amigos; e quem sabe, o início de sua carreira de voador(a). Custa em torno de US$ 50, incluindo o preço das fotos.

Conclusão

O vôo livre é uma atividade de grandes riscos, mas de grandes recompensas. Para quem é cuidadoso e não exibicionista, o prazer será muito maior do que os sustos. Se costuma utilizar o termo “surfar” para a Internet; o correto seria “enroscar”, um termo de vôo. Na Internet você começa de um ponto conhecido e traça seu próprio rumo, dirigindo-se para onde achar mais atraente ou interessante; você escolhe para onde vai. No vôo livre é a mesma coisa – só que ao vivo.

Nos vemos no céu. Bom vôo!

(jul/1999)

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