quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Omelete

O passar do tempo insiste em mostrar o quão tolas e ingênuas são nossas vaidades, por menores que sejam...

Eu me orgulhava de jamais ter caído de moto desde 1982, quando adquiri minha primeira. Nenhum tombo em mais de 40.000 km, exceto alguns tão bobos que não merecem constar de qualquer estatística.

Peço desculpas àqueles que ficaram engarrafados no cruzamento da Av. Juscelino Kubitschek com Clodomiro Amazonas em São Paulo, na tarde do sábado 2 de julho. Era eu aquele omelete esparramado no asfalto, que levou a CET a interditar o cruzamento por mais de uma hora, deixando passagem para somente um único veículo em cada direção.

Fiquei imediatamente imóvel no chão, pois a dor no antebraço esquerdo era horrorosa, enquanto no resto do corpo nem sequer um arranhão ou qualquer gota de sangue. Soube posteriormente que da moto quebrou-se apenas o plástico de uma lanterna, e soltou-se o manete da embreagem – e mais nada. Ou seja, o tombo foi bobo, em baixa velocidade, mas com um terrível mau jeito: caí exatamente sobre o ombro.

Uma (gatíssima) enfermeira que passava pelo local na hora ocupava-se em me manter imóvel e acordado, embora eu já soubesse que nada acontecera – a não ser com o malfadado braço...

Os amigos Fabio Star e Ronaldo Carvalho prontamente acorreram ao Hospital São Luiz, me internaram e acompanharam até a chegada na manhã de domingo de – quem, sempre? – P&M, afinal os Pais são mais alertas do que escoteiros. Ficaram em Sampa por uma semana, até que o irritadiço pimpolho de 49 anos estivesse novamente em condições mínimas de subsistência by himself.

Após alguns quase-desmaios de dor no Hospital – porque o Neandertal se recusa a tomar remédios, preferindo sentir a totalidade da dor “para corretamente auto-avaliar meu estado” – o raio-X vaticinou: úmero destroçado, o osso do antebraço, bem próximo ao ombro. Cirurgia obrigatória, marcada para dentro de 24 horas que acabaram sendo 48 – e neste meio tempo aquela afiada e pontuda haste de osso solta louca dentro do braço, se deslocando livre a qualquer mínimo movimento, espirro, bocejo ou mesmo pensamentos; isto sim é exercício de desapego.

Após a operação na tarde da segunda-feira, cheguei a pensar que me tinham amputado o braço, pois não conseguia sentí-lo. Chama-se “bloqueio”, um completo isolamento nos nervos de todo o membro. Me senti no Céu – mas apenas por algumas poucas horas.

Tornei-me assim o feliz proprietário de uma haste de titânio de 170mm de comprimento e diâmetro que varia de 11mm a 8mm, implantada e pendurando meu antebraço, deixando uma parede de osso que chega a ter apenas 4mm de espessura; e com 5 parafusos passantes, um com 60mm, dois com 50mm e dois com 30mm de comprimento. Estimo que a retirada de tal estrutura se dê em minha exumação. Os médicos sugeriram – não sei se por brincadeira – que passe a carregar uma cópia da radiografia junto aos documentos, para quando for entrar em bancos, correios, alfândegas ou embaixadas...

Barbado, desgrenhado e sedado após a operação, ouvi nas brumas o diálogo seguinte. Mamãe ponderava:
- “Espero que agora ele pare com a moto...”
Fabio Star estava de bermudas e mostrou diversas cicatrizes nos dois joelhos e nas mãos, ressaltando que “é tudo de tombos de moto”, e que nem por isto ele parou. Gabriel mencionou seu Pai, que tem 4 motos (!) e graças a elas diversas entradas em hospitais. Gabe desistiu de ter moto – mas seu Pai, não.

Aprendi que “a noite é inimiga dos enfermos”: atualmente acordo regularmente a cada hora com dores atrozes, nenhuma posição para me ajeitar, e dificuldades para voltar a dormir por mais uma horinha. Agora entendo as dores que o Robocop sentia.

Minha namorada me tachou de “brinquedo paraguaio”:
- “Brinquei só três meses, e já quebrou o bracinho!...”
Ela agora só me chama de “R$1,99”; alguns amigos preferem me chamar de “Darth Guedes”.

Continuo achando que a responsabilidade é sempre do motociclista. Somos invisíveis, a moto surge do nada, os motoristas dos carros não têm como saber. Acho mesmo que motos não deveriam ter buzinas, pois o motoqueiro que vai buzinando pensa que está jogando para o motorista uma responsabilidade que é dele. É claro que o carro que saiu da pista central da JK para a Clodomiro cortando à direita, sem botar pisca e sem estar na pista correta, e que me fechou, arrastou e derrubou, teve culpa. E daí? Sou eu quem está com o braço dependurado, inchado, dolorido, com permanentes fisgadas em músculos e nervos, e sem sentir dois dedos. A direção defensiva me manteve fora de acidentes por mais de 20 anos; é só nela que podemos confiar.

É claro que a solução racional para o trânsito seria termos pistas exclusivas para veículos de duas rodas, como vi com tanto sucesso no Sul da Ásia; mas o problema de tal proposta é justamente ser racional, e requerer coragem.

O problema do trânsito são os carros. Continuo achando que a diferença entre andar sobre duas ou quatro rodas é a mesma entre andar sobre duas ou quatro patas.

O único problema é que esta m* dói pra c*...

(jul/2005)

2 comentários:

  1. Participa, e espero algum dia poder corrigir o texto para "o Gabriel também tem uma moto"! (Aliás, você já andou ensaiando...)

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